9 de outubro de 2020

Como se faz o poema de Pilar Bu

Como se faz o poema é uma série que compartilha o processo criativo de poetas brasileiros/as.

Pilar Bu (sul do Equador, 1983) é poeta e fundadora do Leia Mulheres. Autora de Ultraviolenta (Kotter Editorial, 2017), já publicou em diversas revistas eletrônicas como Lavoura, Ruído Manifesto, Parênteses, Raimundo e Escritoras Suicidas. Contribuiu também com as antologias poéticas Os olhos do bilheteiro (Nega Lilu, 2016) e Maus tratos (Demônio Negro, 2009). É Doutoranda em Teoria Literária pela Unicamp.


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sorriso de canalhas
tento escrever versos
a mão não deixa
pesadas sobre a alma
pairam bestas-feras
sanguessugas
que agora cantam
essa derrocada
parte do meu corpo
resiste
a outra entorpece
e também resiste
porque a guerra
é interminável
e a vitória uma utopia
cara
vendida com champanhe
às custas
do sangue dos pobres
mulheres negros gays
e do proletariado


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Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Como é o esse processo?
PILAR BU Há uns dois anos atrás eu escrevia todo dia, ainda que não produzisse poemas todos os dias. Mas me propunha exercícios e ficava trabalhando a escrita, hoje com o doutorado essa rotina diminuiu, porque tenho prazos de trabalho e estudo mais complexos (risos). Eu gosto de compartilhar o que escrevo (antes de estar pronto) com umas 2, 3 pessoas, porque acho bonito o olhar do outro. Depois que tá no mundo eu acho bem essencial a resposta de quem lê.

Você revisa seus poemas?
PILAR BU Eu reviso meus poemas até o último segundo (risos) e tem uma coisa que eu adoro fazer: gravar. Eu falo em voz alta e vou acertando a marcação, vendo o que funciona ou não, ajustando o ritmo da poesia. Gosto muito de pesquisar também para melhorar não apenas o vocabulário como as ideias. Ainda que a minha poesia não seja sisuda eu acho que, pra mim, é importante fazer essas coisas. Eu acredito que escrever poesia não tem nada a ver com musas, elas nem existem, é muito trabalho mesmo. Não tem jeito.

De onde surgem as ideias para escrevê-los?)

PILAR BU As ideias para os meus poemas surgem da vida mesmo. O bruxisma foi muito um processo de olhar as outras mulheres, me abrir para o mundo e para o que eu podia depreender dele. Aí eu vou pesquisando e costurando junto com as experiências que eu vejo, que eu ouço, que eu experimento.

Tem muita coisa na minha poesia que é mesmo diálogo com outras mulheres, inclusive com o que elas produzem em poesia. Eu acho super importante que a gente compreenda que não está só no mundo, tudo nos afeta, ter empatia é um processo bastante profundo. Eu sou uma pessoa da coletividade, sempre fui. A poesia é ferramenta pra tudo isso, meus livros estão impregnados (ainda bem) por essas inquietações e esses deslocamentos. Gosto de ruptura, de fenda, de deslocar o olhar. Gosto de falar de mulher, das nossas dores, das nossas lutas, e pensar em possibilidades a partir do afeto.

Qual é o seu poema favorito? (seu e de outro poeta)
PILAR BU Eu estou muito apaixonada por Dolores, desde que o escrevi. Foi um poema muito catártico. Ali existe um processo de escuta muito grande, de pensar cada palavrinha. Comecei ele pelo fim, já sabia os versos finais. Aí construí tudo a partir daí. E acho legal que é um poema que sempre me emociona e vejo que emociona outras pessoas também.

O poema Menstruação, da Elizandra Souza, é, sem dúvidas, um divisor de águas na minha vida. Me traz muita energia e o saber de que não estou sozinha. Lembro que quando eu li, pensei: É isso. Muita coisa aconteceu depois dessa leitura, mas acho que é um poema muito marcante pra mim. E visionário, foi publicado em 2007, no Punga, antecipando coisas que hoje estão no centro do debate. A Elizandra me marca demais.