A poesia de Lucas Perito
A Noite Mais Tardia
“Ce sera barbare,
Ce sera sans espoir”
Jules Laforgue
Na mais tardia das noites
me vi pensando sobre o caminho percorrido
por aquela ave a riscar um céu já amarelado
na fuga efêmera do tempo
que cada vez mais se distancia
afastando os cheiros do dia.
Deslizo para fora do círculo
de um objeto que tanto me impressiona
e o sono me observa
os passos se tornam incertos
o dia também dorme
as vozes emudecem.
Sinto o tédio se abatendo sobre o espaço
- um verdadeiro feito -
Retrato do completo embrutecimento.
*
A Voz Humana Reinterpretada
Sussurro
um sussurro para se perpetuar,
para ficar de encontro aos objetos,
um sussurro para romper a incompreensão do espaço
para resvalar corpos transparentes,
profanar a dúvida na dúvida,
roçar a arquitetura do instante
Ganhar fôlego,
passar a frequentar o futuro
que adensa o buraco cavado anteriormente,
então germinar,
germinar contra uma semente
aquilo que perece:
um corpo (quiçá) para semear o que virá.
*
Numerações
Paralelamente, na soma,
um produto
transforma-se em coisa ao acumular números,
coisas ao lado de coisas,
que como coisas, formam um objeto,
uma coisa,
que sendo coisa, morta está.
Na ausência de algo palpável, ainda que real,
é a memória que, não tendo a coisa,
com um objeto (coisa) faz a coisa,
que sendo coisa, é real.
Para que haja narração,
é preciso que nasça uma desordem no mundo,
uma quebra de curso,
da coisa na coisa,
que sendo coisa, viva está.
A terra que preenchia uma boca,
ainda que não haja mais boca,
é coisa de uma coisa,
uma talvez coisa-objeto,
que sendo coisa, é linguagem.
A geometria do coração é obliqua, sempre,
sendo preciso se livrar
e ainda assim ultrapassar as margens
para que as estátuas suem.
*
Pau-brasil
"O sono está.
E um homem dorme".
Jorge de Lima
O absoluto existe em uma fila de formigas
onde um graveto desloca o desatento que
segue o rumo cego de uma nova existência.
As grandes catástrofes são papéis em forma de país,
se consomem em brasa,
e a justaposição do universo
abre a cortina do passado.
*