A poesia de Daniel Perroni Ratto
Daniel Perroni Ratto foi vencedor do Prêmio Guarulhos de Literatura 2019, na categoria ESCRITOR DO ANO, com o livro, Alucinação (Algaroba, 2018), Daniel Perroni Ratto é poeta, jornalista, músico e editor, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA/USP. É autor dos livros, Urbanas Poesias (Ed. Fiúza, 2000), Marte mora em São Paulo (A Girafa, 2012), Marmotas, amores e dois drinks flamejantes (Ed. Patuá, 2014), VoZmecê (Ed. Patuá, 2016), finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura 2017.
Entre um prato de feijão e o café coado
Foi só você chegar
Fomos buscar uma
maneira de encarar
o mundo
E quando chegou lá
teus olhos disseram
que não tinha mais
lugar seguro.
*
A Grande Visagem
Corria serelepe o menino
pelas capoeiras do sertão
Pulava no sangradouro
do açude em construção
Bola com seus amigos
Pituca, Boi e Eduardão
Dos tempos vindouros
não tinham a dedução
Casa de taipa, tio Pêdo
São, debulhava feijão
Ah, chuvas de inverno
nossa real alucinação
Era tão bom se molhar
nas gotas da esperança
O sorriso fácil a brotar
na colheita da festança
Brasas no fogão a lenha
duas panelas de barro
No baião e na cabidela
a pimenta e o coentro
O menino ia desbravar
a caatinga do mistério
para Lampião acordar
a lenda do ministério
Eram redes e fogueiras
uma trempe a cozinhar
Lendas da abençoadeira
acordados a nos deixar
O gigante de um olho
costumava a pastar
enquanto fazia o corvo
a ronda estelar
Se alguém reclamasse
logo o gigante
gritava: O prato fundo?
Ficava nem alma
Se a Caipora lhe visse
era o bastante
sussurrava: Tens fumo?
Ficava nem alma
Bastava algo além
de uma coruja a piar
a botar para correr
as almas de Belém
Mas acabava mesmo
quando era lua cheia
lá no meio do esmo
e um uivo se ouvia
No fim, de branco
caminhava a mulher
a apagar a lamparina
Armado com talher
comendo tangerina
em escuro flanco
Me ajeitava na rede
daquele quarto só e
dormir com a sede
de ser livre outra vez
*
Corpos absolvidos da imaginação
Vagões viram fornos sobre trilhos
Saci com duas pernas sofre bulling
Alunos expulsos pelos chulés
negarão registros aos inelegíveis
Não há dúvida, as tretas desencadeiam
ajudas de custo nas manchetes
As flores de lótus espalham pânico
Os mercados atacam com chibancas
A febre amarela causa mortes
na movimentação neonazista
Diálogo ameaça Estados fortes
como uma música de Cazuza
Homem-diabo costura sua própria boca
Leilões rendem dias felizes
As prisões brasileiras explodem em barbárie
A vaca cai do céu e o lucro é história
Todo mundo tem um lado onde o ganso acaba afogado
e o catador de latas é o primeiro condenado
Quando se reduz a projeção
o falso taxista é caçado
sobra até pro aleijado
divulgar as ideologias de dominação
Eleitores querem novos nomes
Estagiários não servem para acender o rojão
Assaltante tira onda no facebook
e a polícia aperta o botão curtir
Deveria deixar sorrir
quando o Planalto arma uma ofensiva
O mundo amanheceu sarcástico
nas lavanderias de Brasília
Nasceu o diabo em São Paulo
e ele matou o Luan Santana a tiros
PMs invadem Cidade de Deus
para recuperar a espada do He-Man
O mau velhinho é visto de vermelho
no elevador panorâmico do Shopping Iguatemi
batendo punheta enquanto a duende gostosa gargalhava
O Homem-mãe dá leite de seus peitos
aos aloprados moradores do Congresso Nacional
Discos voadores resgatam trabalhadores escravos
nas fazendas oligárquicas do Planalto Central
Padre extermina com seu fuzil estadunidense
quinze infiéis na missa de domingo
Aleluia, irmão!
Nesse meio tempo, ação!
cyborgs levam suas famílias
aos festejos circenses
Homem rouba um carro
para ir ao próprio julgamento
Movimento estudantil sob ataque
Uma kombi foi incendiada
e no batucar dos atabaques
uma galinha foi a sobrevivente
Fênix
Com seu colar de ônix
uma mulher dá à luz
Sangrada e executada
a peixeiradas
As notícias continuam caluniosas
e um preso acusado de suicídio
é encontrado morto em sua cela
Pedestres são armadilhas
para motoristas em ruas e estradas
Deveriam vestir purpurinas
Sequestrado por seres de outro planeta
avisa que seus captores só negociarão
sem a presença ofensiva da polícia
Na elucidação de surtos passionais
a chuva de meteoros avermelha a noite chapada em Diamantina
e as camisas dos movimentos sociais
Portas de edifícios te olham
afirmando que a fé faz bem
Sensacionalismo barato abandona teu programa favorito
quando te avisa que a sogra faz macumba
não espera dar a hora
escala a parede da casa e foge desaforado
pulando fogueiras no telhado
Sem ordem e à espera do progresso
ou de outra viagem à Lua
reagirei ao Golpe e às fake news
Que venha o apedeuta de fuzil
ou a Rainha de Copas
Podem cantar as vedetes da Urca
até comprar balas made in Brazil
Respeito copiosamente sua mutação
para além do calor extremo de suas palavras
sem censura peço licença e atenção
Esse delírio é de estimação, é o cercado das lavras
Da vontade de existir De minha Alucinação.