Oração de Omran Daqneesh - poema de Kevin Cuadrado
Oração de Omran Daqneesh
Kevin Cuadrado (Equador)
Tradução/Traição: Ana Elisa Ribeiro e Sérgio Karam
*
Confia, pai, em que voltarei com o cântaro cheio,
depois de descer até o rio e apascentar as vacas magras,
após retornar cantando com o passo das éguas,
com o cansaço a me cobrir os olhos, e prove o suor com a língua
e ronque meu estômago faminto.
Confia em que levarei arak para beber
e azeitonas que deixarei sobre teu travesseiro
para que sorrias docemente ao pronunciar meu nome.
Diz, confio, meu menino, e eu o farei.
**
Confia em que aprenderei a ler os jornais,
aqueles embrulhados em casa só atraíram moscas
junto do fogão cheio de poeira,
desde que deixamos de comer carne.
Confia em que escreverei histórias para ti,
para mamãe, sobre os montes, as ruas e os pássaros
[que sobrevoam o Atlântico,
e as lerei com minha respiração de pássaro vermelho.
Diz, confio, meu menino, e eu o farei.
***
Confia em que cantarei ao amanhecer, vendo caírem as folhas,
com o timbre do galo, apertando o peito mil lágrimas por som,
como se esmagasse o coração e desse às batidas vozes,
compondo no silêncio melodias com acalantos de mães,
e flautas coloridas para que as crianças durmam.
Confia em que ao cair a folha da árvore e tocar o solo
[um beijo haverá nascido
e que quando a pegue, terei entre meus dedos os lábios,
[o doce perfume das mães do mundo
para seguir cantando sem conhecer o cansaço.
Diz, confio, meu menino, e o farei.
****
Confia, pai, em que irei à escola depois de atravessar o barranco
e me somarei às pedras, que recolherei na ida, uma grandiosa matemática,
e então falarei em público obedecendo à professora, direi com voz de trovão,
tirando forças do fundo de teu nome para não chorar, a mágica narrativa
[de viver onde vivemos.
Confia em que falarei de ti e teus amigos: quando caíram na rua
tropeçando em buracos negros e nem todos se levantaram
e dos que foram levantados nos ombros para que seus corpos inertes
[não contaminem a história.
Diz, fortemente, confio, meu menino, e o farei.
*****
Confia em que voltarei para casa, vendo-a desde longe por sobre a colina
e ao abrir a porta abraçarei mamãe com a força da serpente
apertando seu peito sem machucá-la e beijarei suas mãos
deixando nelas o brilho das flores que arrancarei no caminho
preferindo as amarelas às vermelhas e as verdes em vez das azuis.
Confia em que haverá flores na mesa em que comemos
e ao comer as olharemos, e sorrirás com teu sorriso de domingo
vendo-me com teus olhos descansados, quase abertos
sem que importe que não seja domingo.
Diz, confio, meu menino, e o farei.
******
Confia em que darei migalhas ao faminto, inclusive de minha porção,
e livros aos pobres, sobretudo Kipling, Rilke e Borges para que sonhem,
e vestirei tuas roupas quando crescer uns centímetros, tanto quanto a parede de fora
e pentearei com o pente de tua avó os cabelos de minhas irmãs,
como se acariciasse luzes verdes de fios verdes em fileiras de folhas,
e por fim beberei do cântaro que encho a cada manhã para que todos bebam.
Confia em que haverá sonhos quando lerem Rilke
e que o rosto frio de Borges também chorará enquanto sonham os sonhos
e Kipling dirá Sim a tudo já que ele também sonhava.
Diz, sim, meu menino, confio, e o farei.
*** * ***
Confia, pai, em que o azul do mar deve-se a que solto borboletas azuis
[sobre as águas para que visitem novas terras
e que os balanços vermelhos são mais divertidos já que neles eu rio
e a grama é verde porque eu a como, enquanto reflete o caule das rosas.
Confia em que inventei as cores para ti, pai,
que a nuvem é branca por causa do teu cabelo e que tua barba grisalha é um dia triste
e que os vidros não têm cor como teus óculos de leitura
e que olhamos através do livro da vida.
As cores as inventei para ti, tome-as, são tuas.
Diz, confio, meu menino, e assim será.
**** ****
Confia em que sorrirei com o claro da Lua ao primeiro golpe do vento
e dormirei quando as janelas esgotadas não falarem comigo
[depois de viver tantas histórias em um dia
e que nos sonhos cavalgarei salvando pequenos sonhos de grandes sonhos
com sonhos enormes de seus próprios sonhos.
Confia em que conseguirei manter o chicote preso sem machucar ninguém
[enquanto cavalgo
e que chegarei longe, tão longe quanto confiares.
Diz, sim, confio, meu menino, e o farei.
**** * ****
Confia, pai, em que terminará a guerra e o som será branco novamente
e o céu deixará de se vestir como fizemos no luto de vovô,
e o medo abandonará as mãos e os barulhos descansarão
[para que a terra já não trema
e os pés por fim caminhem pelo Oriente sem olhar para trás.
Confia em que o som será branco.
Diz, confio, meu menino, e eu o farei.
***** *****
Confia em que alcançarei a altura das árvores e que ao levantar as mãos
[conseguirei tocar por sobre as nuvens para sentir-te
e ao roçar meus dedos em teus olhos enrugados, choraremos alegremente sobre a terra
e ao beijar tua respiração de ar seremos vento com corpo de pássaro
um pássaro azul ou amarelo ou a cor de que gostes na chuva
[para voar pelo olhar de outros meninos.
Confia em que seremos pássaros de mil penas
e nos bicos teremos estrelas longínquas e quem nos alcance com a vida dirá:
[«olha, ali voam os sonhos»,
e então serão fortes o suficiente para atravessar as pedras com as penas.
Diz que confia, pai.
***** * *****
Confia em que não morrerei quando se apagarem as luzes
e a saliva se reaqueça em minha boca e meus olhos não queiram se abrir
[para evitar chorar,
confia em que não terei medo quando os estalidos começarem
porque haverá mesas tão fortes quanto suas costas para nos protegerem
[enquanto todos calamos os suspiros.
Confia em que despertarei e tudo terá sido um pesadelo,
um sonho mau de mares sem barcos,
um porto com neblina negra no coração.
****** ******
– Confio, meu menino – chora o pai, sabendo que Omran
[não morreu.
******
ORIGINAL:
Oración de Omran Daqneesh
Kevin Cuadrado
*
Confías padre en que volveré con el cántaro lleno,
después de bajar al río y haber pastado las vacas flacas,
enseguida de regresar cantando con el paso de las yeguas
y de que el cansancio me cubra los ojos, y pruebe el sudor con la lengua
y silbe mi estómago hambriento.
Confías en que llevaré arak para beber
y aceitunas que dejaré sobre tu almohada
para que sonrías dulcemente al pronunciar mi nombre.
Di, confío mi niño y lo haré.
**
Confías en que aprenderé a leer en los periódicos,
los que arrumados en casa han traído únicamente moscas
al abandonarlos junto a la estufa llena de polvo,
desde que ya no comemos carne.
Confías en que escribiré historias para ti,
para mamá, sobre los montes, las calles y los pájaros
[que sobrevuelan el Atlántico,
y las leeré con mi aliento de pájaro rojo.
Di, confío mi niño y lo haré.
***
Confías en que cantaré al amanecer, mirando caer las hojas,
con el timbre del gallo, apretando el pecho mil lágrimas por sonido,
como si estrujara el corazón y diera a los latidos voces,
componiendo en el silencio melodías con arrullos de madres,
y zampoñas de colores para que los niños duerman.
Confías en que al caer la hoja del árbol y tocar el suelo
[un beso habrá nacido
y cuando la levante, tendré entre mis dedos los labios,
[el dulce perfume de las madres del mundo
para seguir cantando sin conocer el cansancio.
Di, confío mi niño y lo haré.
****
Confías padre en que iré a la escuela después de cruzar el barranco
y sumaré con las piedras, que recolectaré de ida, una grandiosa matemática,
luego hablaré en público obedeciendo a la maestra, diré con voz de trueno,
sacando fuerzas desde el fondo de tu nombre para no llorar, la mágica narración
[de vivir donde vivimos.
Confías en que hablaré de ti y tus amigos: cuando cayeron en la calle
tropezando con agujeros de carbón y no todos se levantaron
y de los que fueron levantados en hombros para que sus cuerpos yertos
[no contaminen la historia.
Di fuertemente, confío mi niño y lo haré.
*****
Confías en que regresaré a casa, mirándola desde lejos por sobre la colina
y al abrir la puerta abrazaré a mamá con la fuerza de la serpiente
apretando su pecho sin dañarla y le besaré en las manos
dejando en ellas el brillo de las flores que arrancaré en el camino
prefiriendo las amarillas por sobre las rojas y las verdes en vez de azules.
Confías en que habrá flores en la mesa donde comemos
y que al comer las miraremos, y sonreirás con tu sonrisa de domingo
viéndome con tus ojos descansados, casi abiertos
sin que importe que no sea domingo.
Di, confío mi niño y lo haré.
******
Confías en que daré mendrugos al hambriento, incluso de mis bocados,
y libros a los empobrecidos, sobre todo Kipling, Rilke y Borges para que sueñen,
y vestiré tus ropas cuando crezca unos centímetros, tanto como la tapia de fuera
y peinaré con el peine de la abuela las cabelleras de mis hermanas,
como si acariciara luces verdes de hilos verdes en hileras de hojas,
y por fin beberé del cántaro que lleno cada mañana para que todos beban.
Confías en que habrá sueños cuando lean a Rilke
y que el rostro frío de Borges también llorará cuando los sueños sueñen
y Kipling dirá Si a todo puesto que él también soñaba.
Di, sí mi niño, confío, y lo haré.
*** * ***
Confías padre, en que el azul del mar se debe a que suelto mariposas azules
[sobre las aguas para que visiten nuevas tierras
y que los columpios rojos son más divertidos ya que en ellos sonrío
y la hierba es verde debido a que como de ella, mientras se refleja el tallo de las rosas.
Confías en que inventé los colores para ti, padre,
que la nube es blanca a causa de tu pelo y que tu barba ceniza es un día triste
y que los cristales no tienen color como tus gafas de lectura
y que miramos al través como por el libro de la vida.
Los colores los inventé para ti, tómalos, son tuyos.
Di, confío mi niño y así será.
**** ****
Confías en que sonreiré con el claro de luna al primer golpe de viento
y dormiré cuando las ventanas agotadas no me hablen
[después de vivir tantas historias en un día
y que en sueños cabalgaré salvando a pequeños sueños de grandes sueños
con sueños enormes de sus propios sueños.
Confías en que conseguiré mantener la fusta al ras sin lastimar a nadie
[mientras cabalgo
y que llegaré lejos, tan lejos como confíes.
Di sí, confío mi niño, y lo haré.
**** * ****
Confías padre en que terminará la guerra y el sonido será blanco nuevamente
y el cielo dejará de vestirse como lo hicimos en el luto del abuelo,
y el miedo abandonará las manos y los latidos descansarán
[para que la tierra ya no tiemble
y los pies por fin caminen por Oriente sin mirar a las espaldas de sí mismos.
Confías en que el sonido será blanco.
Di, confío mi niño y lo haré.
***** *****
Confías en que alcanzaré la altura de los árboles y al levantar las manos
[conseguiré tocar por sobre las nubes para sentirte
y al rozar mis dedos en tus arrugados ojos, lloraremos alegremente sobre la tierra
y al besar tu aliento de aire seremos viento con cuerpo de pájaro
un pájaro azul o amarillo o el color que gustes en la lluvia
[para volar por la mirada de otros niños.
Confías en que seremos pájaros de mil plumas
y en los picos tendremos estrellas lejanas y quien nos alcance con la vida dirá:
[«mira, ahí vuelan los sueños»,
y entonces serán fuertes, tanto para atravesar las piedras con las plumas.
Di que confías, padre.
***** * *****
Confía en que no moriré cuando se apaguen las luces
y la saliva se recaliente en mi boca y mis ojos no quieran abrirse
[para evitar llorar,
confía en que no tendré miedo cuando los estallidos empiecen
porque habrá mesas tan fuertes como tu espalda para protegernos
[mientras todos callamos el suspiro.
Confía en que despertaré y todo habrá sido una pesadilla,
un mal sueño de mares sin barcos,
un puerto con neblina negra en el corazón.
****** ******
– Confío, mi niño -llora el padre, sabiendo que Omran
[no ha muerto-.
BIO:
Kevin Cuadrado (Quito, 1993) é formado em Comunicação Social e atua como editor e promotor cultural. Acumula alguns prêmios como poeta e é membro do Centro Internacional de Estudos Poéticos do Equador. Fundou o grupo literário Apoema e o projeto Notas de um bibliotecário, na Universidade Politécnica Salesiana. Participa de antologias internacionais e escreve para algumas revistas literárias equatorianas, além de editar a revista Bichito.