11 de dezembro de 2018

Duelo de farmácias

Acordei cedo com o barulho da campainha. Abri a porta a vinte graus, mostrando parte da minha cara amassada. Do outro lado, um homem.    
— Você tem omeprazol, 20mg?        
— Se eu tenho o quê? — cocei os olhos.      
— Omeprazol, 20 mg — respondeu estendendo a receita.   

Atordoado, disse que não e fechei a porta. Rapaz, é cada vizinho folgado,pensei! 
Mal tinha deitado novamente, quando o barulho ressoou...  

— Queria uma caixa de Amoxilina. Se tiver genérico, melhor — questionou uma jovem descabelada.

Nem mantive o diálogo, bati a porta na cara da cidadã, que reclamou de formainusitada: "Perde cliente e não sabe o porquê!" As estranhasexperiências me despertaram e fiquei matutando, tentando identificar ofenômeno.            Questionava   mentalmente uma possível pegadinha de umamigo do prédio, quando o telefone vibrou.           
— Alô.           
— Filipe, é o Paulo, teu vizinho.       

O Paulo é meu vizinho de porta, mas não somos chegados. Dividimos o andar hádois anos e só nos cumprimentamos, a duras penas, quando topamos no elevador.Uma ligação dele àquela hora adicionou um tanto de estranheza ao açude debizarrices que agora sangrava.         
— Fala, Paulo.           
— Cara, tem uma fila de gente em frente às nossas portas.              
— Como é?    
— Vem aqui fora um instante... Não dá pra explicar.           

Paulo tinha razão! Havia duas filas que nasciam em nossas portas e se estendiam até as escadas. Na minha porta, pintada de vermelho e branco estava escrito DROGASIL, na do Jonas, um azulado EXTRAFARMA. Perplexo, tranquei a porta e me afastei em silêncio. Reparei na cozinha e vi que os eletrodomésticos tinham sido substituídos por prateleiras de remédios variados. No lavabo, drogas controladas.           

Após várias ligações, incrédulo, descobri que durante o sono a Drogasil comprou a torre número 1 do meu prédio e a Extrafarma, pra não perder espaço, arrematou a torre 2.  

Não sei o que está acontecendo na cidade de Fortaleza! Há uma epidemia de farmácias concorrentes que farão de tudo pra ganhar espaço... Fiquem alertas!Revezem os turnos de sono.   

Obs: Inclusive, pra quem tem dificuldade de se manter acordado, temos uma excelente promoção do polivitamínico Pharmaton. Interessados, compareçam ao nosso apartamento. Drogasil agradece a preferência.

*

Filipe Pinho – Pinho, como gosta de ser chamado – nasceu em Fortaleza, em 1984. É advogado e acadêmico de psicologia. Sua escrita nasceu no consultório psicoterapêutico, a partir do seu processo de autoconhecimento e aceitação. Logo percebeu que o texto conciso o fascinava: cada palavra reclama o seu lugar, diria. Escreve a liberdade de sua imaginação, às vezes interpretada amiúde, às vezes não. É sua primeira obra e, pelo que vejo daqui, parece orgulhoso de sua façanha.

O livro de Filipe Pinho pode ser encontrado no site da Editora Moinhos.