A poesia de Sara Síntique
Sara Síntique é graduada em Letras Português-Francês e mestranda em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Nasceu em Iguatu (CE), em 1990, e reside em Fortaleza desde 2001. Autora do livro de poesia “Corpo Nulo” (2015, Editora Substânsia), também é atriz e performer.
tomei um gosto por azul
que adveio dos teus lábios
somente agora percebo
essa cor que me invade
feito tuas mãos no amanhecer
e assim sei de ti:
teu rosto é toda essa cor
que atravesso a nado
***
hoje depois de ler o horóscopo diário
constatei que você tinha razão sobre
a influência dos astros
não mais que maré e lua cheia não mais
o forno ainda está sujo de peixe
há escamas por toda a pia
o baralho o anzol os pés sangrentos
e tudo que prateou no ar
você também tinha razão
sobre os manzuás
sobre a areia
sobre a canoa
sobre os defeitos
e a textura das cores
era pra ser canção e não poema
como esta carta e não poema
como esta vida e não poema
mas meus olhos
já secos tardios
meus olhos
de teimosia
insistentes
deixam escapar
essa coisa às mãos
***
diria
mas antes do nome
os dedos desviam e
atravessam este corpo que poderia ser
com o teu:
um só
campo aberto
cavalo e cavalgada
cavalo e cavalgada
até que dos lábios
um sussurro trêmulo
dissesse:
este cometa demora muito tempo para completar uma volta ao sol
anos
o suficiente para
cabelos brancos
se confundirem nos
pentes da casa
entre pelos ralos
pernas entrelaçadas
o mesmo gosto
o mesmo líquido
a boca insaciável
a dizer
um verso
um só:
esse eco vagando pela areia da praia é bem maior no deserto
a língua trêmula
buscando escape
para isto que é mar
e que não descansa
um verso
um só:
te pões sentado e
me olhas
não sei a mulher que sou
mira-me mira-me
açoita-me
consome o fardo
ponho-me outra (uma errante?)
hesita
inventa uma nova língua
enquanto
contraindo as pernas
devenho rio
polui-me