A poesia de Noélia Ribeiro
A pernambucana Noélia Ribeiro mora para Brasília desde 1972. Formada em Letras na UnB, lançou Expectativa, em 1982; Atarantada (Ed. Verbis), em 2009, e Escalafobética (Ed. Vidráguas), em 2015. Tem poemas publicados em antologias brasileiras e nas revistas eletrônicas Mallarmagens e InComunidade. Recebeu o Prêmio FAC 2017 – Igualdade de Gêneros na Cultura (SECULT-DF). Será uma das homenageadas do Salão de Poesia Psiu Poético, em Montes Claros, em outubro de 2017.
DEEP IN MY MIND
Deep in my mind,
rola um filme de segunda
com close no peito e na bunda
e beijo fake pra começar.
Tem dedos que brincam,
línguas que dançam jingles
in the dark
sem hora pra terminar.
Tudo free, sem o olhar severo
de quem quer que seja.
Inside of me é assim, baby.
Outside, porém, é outro lance:
Meu amor nada sabe
da minha sandice.
Não beija quente
nem fala inglês.
Toca-me com doçura
e ama minha nudez
de moça pura.
*
PÃO COM POEMA
(a Paulo Henriques Britto)
Então está bem:
viver é esse cumprimento
de obrigações para com Deus
os outros e si mesmo
É esse despertar amiúde
com uma interrogação
na mão a espetar
e sangrar
até o paliativo da atitude
Então está bem:
vou abrir os olhos
antes das cinco
abraçar os meus
depois dançar no chão
escorregadio da vida
com precisão a finco
Se a lágrima cair
enxugo
vou para o Rio
tirar férias de sofrer
ou permaneço no risco
com maracugina e
rivotril
Então viver é isto, meu amigo:
poema fresquinho
leite quente
pão dormido
*
METÁFORA
Tem hora que o poema complica:
sobe colinas, desce do céu,
sussurra, troveja, chora
mágoas de oceano,
colhe da saliva o mel,
toca nuvens de azáleas,
ouve sons do altiplano,
inspira o brilho estelar
(tanta parafernália
só pra dizer eu te amo)
Tem hora que o poema complica:
quando a metáfora amplifica
a sandice de se apaixonar
*
EIS O MISTÉRIO DA FÉ!
Vira e mexe
Estás aqui a me abraçar
Com teus braços compridos
E mãos que me cabem
Mãos que me cobrem
Vira e mexe
Estás aqui a me procurar
Com teu corpo gigante
E tua boca generosa
Que me investiga
Vira e mexe
Estás aqui comigo
A sorrir e a cobiçar
O gozo abençoado
Que os anjos aplaudem de pé
E eu viro e mexo
Porque creio em nós
Eis o mistério da fé!