Low carb
É uma questão de saúde, porque não basta viver, tem que viver com qualidade. Não adianta nada viver até os cem anos toda comprometida, numa cama. Chegaria até os cem, mas chegaria bem, com certeza. Estava fazendo tudo para isso. Primeiro foram os ovos. Cortou-os radicalmente. Nada de ovos para cuidar do colesterol. Voltou com os ovos depois de estudar e descobrir seus benefícios. Esse negócio de alimentação saudável é uma ciência! Requer estudo e dedicação! Depois foram os chás. Uma variedade deles, tão coloridos e eficientes. Passou para os sucos detox. Quem diria que um dia tomaria suco de pimenta? Bebia suas poções mágicas com a certeza dos efeitos positivos que trariam. Sentia-se cada vez melhor! Queimava gordura e aceleravam o metabolismo. Era o que precisava. Passou a ver o mundo de outra forma. Cortou os ovos novamente. Agora não se alimentaria de nada que viesse de animais. A indústria alimentícia é muito cruel. Os bichos são tratados de forma desumana. Impossível se alimentar de um ser vivo que foi torturado. Nada de alimentos de origem animal, não precisamos disso! Sentia-se ainda melhor! Uma leveza de corpo e alma! Não demorou muito a descobrir outros vilões. Glúten e carboidratos. Não precisaria deles e evitaria uma série de possíveis doenças. Sim, cada vez mais, leve e limpa. Mas tudo isso não bastava. Precisava plantar o que consumia, assim seria, definitivamente, saudável. Fora o agronegócio, agrotóxicos, alimentos geneticamente modificados! Cultivou uma horta orgânica e um pequeno pomar. O verde invadia seu quintal. Todas as manhãs, antes de qualquer coisa, se dedicava ao cultivo de seu alimento. Limpava das ervas daninhas, retirava o que era de seu consumo, regava. Depois, sentava-se em seu banco estrategicamente colocado no meio da horta e saboreava um copo d’água fresca, para purificar seu corpo antes das atividades diárias.
Era uma manhã de sol. Repetiu o ritual matinal, porém não conseguiu retirar da terra os verdes para sua subsistência. Teve dó. Estavam tão perfeitos ali. Arrancou os sapatos e colocou os pés na terra. Era natureza também. Tanto quanto os animais que salvara, preservando-os do seu apetite carnívoro, devidamente controlado. Tanto quanto o verde que plantara e que sentia tão seu. Era natureza também. Leve, limpa, pura. Sentiu os pés enraizarem na terra úmida. Era natureza também. Dos pés, raízes. As pernas se fizeram tronco. E o verde brotou pelos galhos dos braços enchendo de frutos as mãos. Era natureza também.
Ao entardecer o portão da horta se abriu lentamente. A fome dos miseráveis sentira o cheiro do alimento plantado abandonado. Sorrateiramente uma pequena horda de famintos invadiu a horta e retiraram da terra o alimento que precisavam. Encontraram uma árvore estranha no meio do verde. Folhas verdes, frutos suculentos. Fartaram-se deles. Sentiram-se puros e limpos. Eram natureza também.