30 de agosto de 2017

A poesia de Ítalo Lima

Ítalo Lima, 24 anos. Nasceu em Teresina, às 5h de um dia de sombras e comum de uma sexta feira qualquer. Sobrevivente de angústias. Adora escrever sobre a solidão, ex amores, pinta angústias e aflições trazidas no peito. Formado em Publicidade e Propaganda, pós-graduando em Semiótica, acredita piamente que somente a solidão te cura do outro. Vende quadros, e em breve lançará seu primeiro livro: Quando a gente se mata numa poesia.

 

Homens fazem barulho

Porque o peito calado
Sangra abalado
Das partidas
Que balbuciam
Estragos eternos

Homens fazem barulho
Porque no silêncio contido
Há regras de etiquetas
Dizendo que é proibido chorar
E em rebeldia gritam
Todos os homens que povoam
Meu coração de muitos milhares

Homens fazem barulho
Porque o alarde
É o melhor disfarce
Da dor que fingimos
E afrouxamos no enlace
Eu sou tantos
Que mal me reconheço
Quando amanheço
Sem reflexo
No espelho embaçado

Homens fazem barulho
Porque na voz da escuridão
Mora o medo do abandono
E nada conforta
A pele fria em dias nublados

Homens fazem barulho
Sem medo da patrulha
Que vigia e amola
A palavra agulha que fere
De graça a pele de quem
Disfarça desgraça

Homens fazem barulho
Prostrados de agonia
E no embrulho do gesto noturno
Acariciam mansos
Na voz o amor que não havia.

 

*

O amor passou raspando

E atingiu o nó das têmporas
Alisou a pele mansa
Destrinchou os pelos vivos
Cerrou os lábios da memória
Aglomerou a multidão em círculo
O amor passou raspando
Alertou toda polícia
Deixou os olhos ardendo
Engarrafou o tráfego
Apavorou a vizinhança

Engasgou os desiludidos
O amor passou raspando
Deixou em brasa a epiderme
Acelerou o peito manso
Dissecou os dias frágeis
Acordou toda família
Rangeu o dente siso
O amor passou raspando
Arregalou as pálpebras do desvalido
Espalhou pólvora em revelia

Atordoou os pássaros noturnos
Não matou, mas deixou ferido
O amor passou raspando
Feito bala sem alvo, nem aviso
Pra no fim ser só engano.

 

*

É claro que vai doer

Dias felizes não duram para sempre
Tem sempre alguém arrancando
Um pedaço imenso da gente
A linha amarrada no dente
Na porta amarela da cozinha
De quando criança era só um ensaio
Da dor que grita e ninguém cura
É claro que vai doer
A penetração primeira gera incômodo
E não há mordaça fria no mundo
Que apazigue a dor ardida no varal
Quando a gente sangra despedaçado
Catando os cacos de pele
Espalhados pelo chão da casa fria
Estilhaçados pelo ex que foi embora
É claro que vai doer
Quanto mais suplicamos amparo
Mas o fel da sutura aperta em carne viva
Ninguém amansa a solidão da gente
Esquecida debaixo da cama
A navalha na carne do abandono tortura
E é em vão tatear o aperto asmático
O tapete manchado de sangue
É quase impossível disfarçar
A escuridão também é crua
E nada apetece o pus escorrido na pele
É claro que vai doer
Mas a cidade envelhece repleta de placas
Dizendo que é proibido chorar.