A poesia de Nuno Rau
Nuno Rau é carioca, arquiteto e professor de história da arte, mestre e doutorando em história da arquitetura, e tem poemas publicados em revistas e sites como Cronópios, Germina, Sibila, Zunai, Mallarmargens, Diversos e Afins, RelevO, em diversos blogs e nas antologias Desvio para o vermelho (13 poetas brasileiros contemporâneos), pelo CCSP | Centro Cultural São Paulo, Escriptonita: pop/oesia, mitologia-remix & super-heróis de gibi, que co-organizou, e 29 de Abril: o verso da violência, ambas pela Editora Patuá e, em fase de organização, a antologia Poemáquina. Em 2017 saiu seu primeiro livro, Mecânica Aplicada. É um dos editores da revista eletrônica mallarmargens.com.
wireless
o medo de se perder, mundo
punk, desenhando à faca na água suas dúvidas, você
conversa consigo pelo espelho oxidado em terceira
pessoa, rasurando à unha o nitrato, comendo grama
por grama o retrato que lhe vem na prata
quando rói os dedos entre os campos
minados, o medo
de se perder [“converse comigo”], nada
mais pode ser dito depois
que o chão desaparece, mundo
junkie, jungle, os hipopótamos são os únicos
que atravessam a rua sem esmagar
as flores no asfalto, linces e gazelas
não, você está
solto no espaço e nenhum céu
desaba, antes
permanece imóvel em aparência no instante
em que você escorre a esmo pelas trilhas
e deleta arquivos antigos [“converse
comigo”], menos laços, odiar
as lembranças, o medo
de se perder, mas é justo
pra onde você
vai.
*
rede
siga pelas galerias, boca
que lhe devora, sede
contínua da esfinge
cocainômana suportando o peso
da pureza
em suas narinas brancas enquanto
você olha de frente a crise
das metáforas, o rol
dos vilipêndios, a carne
do ato e a carne do sentido, os lugares
que agora são
restos da sua melhor
parte enquanto você
está prestes
a se perder
de vez seguindo as galerias
de fibras subterrâneas, não
sob a pele, “se você quer mesmo
enlouquecer vou
lhe contar toda a verdade que está por baixo
da verdade que está por baixo
da verdade”, ela disse
sem saber que sua cabeça já estava
a prêmio, um dado
rolando sobre os lençóis, se virando
em espasmos enquanto murmurava
“eu já sei”
*
touch pad
a dor, dispersa como a luz,
o amarelo secreto
por baixo da evidência
do amarelo [a variedade
interminável de formas
com que destroçamos
a nós mesmos], você se olha
no espelho quando tira a máscara
e vê o rosto igual
àquilo que o escondia
sem saber quem
deformou quem, dois
lados da moeda cunhados
na mesma forma banal, neste jogo
de azar você é o dado
viciado.
*
década
se você tem, de fato, algo a escrever
sobre o tempo, perceba que ainda uma outra
vez ele passou de vez sem que você
soubesse que a chance de dizer as poucas
coisas que parecem claras, na esperança
vaga de que tais palavras sustentadas
pelo poema possam, na sua dança,
tatuar em outro corpo a mesma marca,
está perdida: o mundo segue algum
desvio, desesperos portáteis, vãos,
gomorras sem o olhar de um deus, distopia
e corrosão do século vinte e um,
dessublimações, falsa anunciação
que lhe afunda em soul, sexo e melancolia.