18 de julho de 2017

A estrada, o jumentinho e o batom rosa no dente do Professor

Havia parado à beira da estrada para observar uma família de jumentos. Queria mijar, mas é foda botar o pau pra fora na frente de um jumentinho inocente. “Cavalo doido por onde trafegas?”. A mente arquitetava contos sujos para ouvidos puritanos. Um personagem se desenhava na cabeça. Pensava no batom rosa da aluna no dente do professor loiro e casado. Sorri. Enfim, mijei bem em frente a placa: Fazenda Algodões. Pensava em coisas pornográficas. Pau com pau em banheiros sujos de postos de gasolinas ao longo da BR-232. Personagem escroto. Frases machistas, esposa oprimida, filhos assustados com a fome voraz de seu braço. “Quem sabe eu sinta saudade, hein?/Como em qualquer despedida”. O cara tipo cidadão de bem, pai de família. Moral e bons costumes como bandeira de afirmação. Ditadura como tempo bom. Político fodido como mito. Desses homofóbicos. Teria o cu enrabado em total negação. Personagem escroto. A estrada estava vazia. O sol forte, uma lua branca em pleno meio-dia. “Belo é o Recife pegando fogo/Na pisada do maracatu”.  O podcaster falava, falava, falava, mas, desatento, só pensava no personagem escroto sendo enrabado numa cabine fedendo a mijo e merda. Preciso controlar o linguajar, minha esposa é bem recatada e não vai gostar de ler essa porra. Bela, recatada e do lar. O riso é inevitável. Penso nos dentes tortos e descuidados  do Thom Yorke. No girador, observo o vendedor de santos. Santos incompletos. Inacabados. Será que levo um São Francisco para minha irmã e sogra? Passo direto e paro no posto mais próximo. Peço para completar o tanque e entro no banheiro sujo, chão molhado e cheiro de mijo. O cenário perfeito para enrabar o personagem escroto. Ponho o pau pra fora. O bicho duro que nem madeira. Sinto um certo orgulho do tamanho, da forma e da dureza. Macho é bicho foda! O sorriso é inevitável. Em minha curta lista de adjetivos, chego à conclusão de o lugar e o pensamento serem inapropriados. Foda mijar de pau duro. Vontade de bater uma punheta. Acho que a possibilidade de alguém entrar e sentir-se desconfortável com um cara do meu tamanho e peso, com um pau considerável tocando uma em frente ao mictório improvisado me excita ainda mais. “O cara tem que encarar a vida de pau duro”, escreveu o Roberto Menezes. Guardo o pinto, lavo as mãos na água sempre gelada do posto e sigo em direção ao carro. Fome da porra. Ainda olho para a lanchonete, mas penso na comida caseira e no porco assado na brasa lá de Sertânia. Melhor aguentar um pouco mais de fome e esperar para almoçar bem. Volto em direção aos santos. Paro no acostamento, atravesso a pista e pergunto se tem São Francisco. Havia um, mas, como disse, inacabado. Não há devotos de santos sem rostos. Vai demorar? Quarenta minutos. Porra, não tem como esperar! Queria chegar em casa ligeiro. Ver mulher e filhos. A saudade é foda! É força-motriz. Dá fome de chão, vontade de chegar ao fim da estrada. Tinha só uma santa com nome esquisito. Agradeço e volto correndo para o carro. Na entrada para a estadual tem uma moça e uma senhora esperando carona. Olho de rabo de olho e nada. “Onda do mar do amor que bateu em mim”. Passo direto. Não vou dar carona hoje. Prefiro a companhia da imaginação fértil, da vontade desgraçada que tenho de escrever. Virar escritor. Não apenas para ser lido, mas exorcizado. Penso no conflito que contos tão sujos podem ter com as noites de pregação na igreja protestante que faço parte. Vão dizer que sou herege. Isso eles já dizem ou pensam. Risos. Pensar parece ser pecado. Há uma tristonha incompatibilidade entre questionar certos pressupostos, em andar fora do lugar comum. Das incontestáveis verdades humanizadas. Lembro do meu amigo paulista, o podcaster de boca e pensamentos largos. Oxe, saudade de conversar com o Lindão! O episódio acabou. Encosto o carro e começo a fuçar o Pocketcast. Decido pelo silêncio. Desligo o rádio. Sigo viagem. Olho o velocímetro e penso nos buracos e bichos na estrada. Pernambuco é foda! Tem maracatu e estradas péssimas! Saudades da Paraíba e seus tapetes de asfalto. Vontade de cruzar a fronteira. Vontade de chegar em Monteiro. Porra, passei no doutorado, mas ainda persiste aquela sensação de que não é verdade. “Porque quem gosta de maça/Irá gostar de todas, porque todas são iguais”. Reduzo a velocidade. Uma sensação estranha. Sinal de alerta? Não sei explicar bem a sensação. Setenta por hora. “Essa menina-mulher da pele preta”. Poeira. Um carro entra na minha faixa. Barulho. Escuridão. Gravidade zero. Blackout. Fim.

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Ivandro Menezes

Nasceu em Mamanguape, Paraíba, em 1980. Hoje vive em Paulo Afonso, no sertão baiano, onde leciona na Universidade do Estado da Bahia. Cresceu entre os livros e discos do pai. Formou-se em Direito e hoje estuda Sociologia. Escrevia no jornal da escola, participou de alguns pequenos concursos literários e, recentemente, se aventura a escrever contos.