A poesia de Norma de Souza
Norma de Souza Lopes nasceu no ano de 1971, ano em que morreu Jim Morrisson e Carlos Lamarca. Mesmo ano em que John Lennon escreveu "Imagine". Nasceu na periferia de Belo Horizonte, onde ninguém - nem mesmo sua mãe gari ou seu pai pedreiro - tomavam conhecimento de fatos como os citados acima. Com exceção de uma famélica viagem de dois anos à Paraíba e meia dúzia de passeios ao Rio de Janeiro e Espírito Santo, vive na periferia até hoje. Um milagre atribuído a bons professores a levou à poesia. Formou-se em Pedagogia e pós-graduou-se duas vezes. Publica diariamente em http://normadaeducacao.blogspot.com.br/ desde 2007 e em http://bordapoesia.blogspot.com.br/ desde 2014.
Em 2014 lancou seu primeiro livro "Borda" pela editora Patuá. É escritora Efetiva da Revista Escritoras Suicidas. Participou das antologias "Versos da Violência" da Editora Patuá, "Entre lagartas e Borboletas" da Editora Tubac Book (e-book) e Scenarium Livros Artesanais (versão impressa), Senhora Obscenas da Editora Benfazeja e de diversas publicações virtuais (Germina, Escritoras Suicidas, Mallarmagens, InComunidades, Vida Secreta (artigo "Clarice e o outro em si em dois contos").
Encenou em 2016 a performance poética "de mim ninguém sai com fome" no Sesc Palladium, em Belo Horizonte, se apresentou na Casa Juscelino em Diamantina pela UFVJM, no Sarau Artístico CEFET Contagem, na Casa Amarela em São Paulo, no Museu de Mineralogia em Belo Horizonte (Sarau Libertário) e no Sarau Poesia Viva Coletivoz.
realidade
quando deixamos de colecionar sapatos
quando dois pares são o suficiente
a gente acha que venceu o ego
que não liga mais para
essas tretas de poder
quando esvaziamos os armários
e sentimos arroubos de humildade
e de desprendimento
pensamos estar prontos
a vida chega sorrateira
e nos arranca os pés
*
a frota do novo homem
vejam irmãs, quem aporta agora no cais
aspirem para dentro de seus pulmões as embarcações
naufragadas em sítios fora do mapa
irmãs, sei que andamos cansadas de sermos árvores
e galhos para esses filhos mamíferos cinquentenários
nossos joelhos dormentes de tanto levar ao colo amantes
mas alegrem-se oh, minhas quatro amadas irmãs
eis que ele chega, prenhe mas ainda não nascido
traz entre os dedos vínculo, intuição e benevolência
aquele a quem chamam homem, o signo de uma raça
é tempo de lançar nossos olhos ao norte
e sorrir para a grande alegria que nos espera
um tempo em que as mãos nos representarão
e mãos irmãs, não possuem sexo.
*
primeira pessoa
não são só as chuvas que chegam em março
também há o fisco e a primeira leitura
desanimada da lista de ano novo
em breve virão um arco-íris de cores das campanhas
para vigiar e impedir meu corpo de adoecer
mas eu já não me deixo cair no pecado das ideologias
queria tatuar nas ancas "primeira pessoa" em francês
mas première parece nome de diplomata
algumas canções enroscam-se em meu corpo
e deixam o toque sedoso do agora em meu tato
se terei hemorróidas ou se de tanto bater
meu coração vai parar já não importa
parece-me que um dia sem ti
não devia ter esse barulho todo, queria mesmo
era uma caminhada silenciosa pelo centro
onde você me comprasse vestidos
e jurasse amor eterno