A poesia de Marcelo Ariel
Marcelo Ariel nasceu em Santos, em 1968 e vive em Cubatão. Poeta, performer e dramaturgo, é também autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008); Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010); O Céu no fundo do mar (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (Edições Caiçaras, 2012); Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (2015), Com o Daimon no Contrafluxo ( 2016) entre outros títulos.
Sem senhas para as cinzas na água
“ Das coisas lançadas ao acaso, a mais bela, o cosmo”
Heráclito
1
A luz do ser é como a água
também veio do Sol
onde todos os planetas querem entrar
Dentro do Sol
O ser é imóvel
como a gratuidade de um êxtase
parecido com a respiração
Fora do Sol
o ser é móvel
Tempo eternidade
e tempo cronológico
2
A água é a Alma
dentro do corpo
Em um quadrado
há um triângulo
de fogo
dentro do triângulo
um eneagrama
de ar
Em nós
a água
é o que ama
enquanto o ar pensa
e a emoção é a chama
que o incêndio da morte
alimenta
A água é o que sonha
o que o tempo desenha
os círculos que somos
criados pela pedra
que afunda
quando acordamos
3
O Eu
é o vapor que se desprende
do gelo:
essa ilusão chamada identidade
no fogo do Ser se dissolvendo
Quando dizemos Eu
a alma que é a água dorme
e o que perdemos é a nuvem
do que não sabemos
É música tudo
o que a água pensa
No rastro das nuvens
se esconde a harmonia
dessa sentença, mesmo na tempestade
o relâmpago
rasgando o ar
é um silencioso canto
mas o trovão, quer nosso despertar
e fracassa, esse rugido estelar
que acorda em nós, apenas medo e espanto,
para a estrela retorna
silente fúria
que não compreende
nosso pranto
*
O anti-ulysses
“Lugar preenchido de vazio“
Botika em Búfalo
E apontando para os oceanos, uma gota de esperma
Nossa Mãe Santíssima, veio do mar, ele diz
Um dia elaele acorda
mas esse voo não podemos
com palavras
evocar, porque
os nomes estão sempre
escondendo o estelar
nada dentro de nenhum, tudo à direita do Um, mas
se ele consegue
coisa alguma nomear
podemos destruir e também retomar
Porque nenhum país
é realmente nosso lar
por isso essa rua
como a não mente
pode estar
em todo lugar
*
E eis que somos o transe da terra
“Não quero ir onde não há luz“
Fernando Pessoa
O demônio
foi criado
para que alguma coisa dentro do universo
da metafísica das religiões
se parecesse conosco, ele é
como uma falsa escolta de reflexos
do lado opaco do espelho ou da névoa
das trevas, uma lição fulgor
da irradiação
de uma impossibilidade
do vazio
Ele é o sentido histórico,
a lama que crescendo como grama
repleta de agulhas
de ouro
O anjo do humano
andando pelas ruas
não verá o povo,
vejo os números e eles nada me falam do sentido histórico sendo destronado para que os poéticos tomem o poder
e vomitem uma nação africana
na Alphaville soterrada
O riso dos rios enterrados
de São Paulo
procurando os céus
e a ética do sublime será como essa tribo
de índios de água