29 de junho de 2017

A poesia de Marcelo Ariel

Marcelo Ariel nasceu em Santos, em 1968 e vive em Cubatão. Poeta, performer e dramaturgo, é também autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008); Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010); O Céu no fundo do mar (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011); Teatrofantasma ou o doutor imponderável contra o onirismo groove (Edições Caiçaras, 2012);  Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (2015), Com o Daimon no Contrafluxo ( 2016)  entre outros títulos.

 

 

Sem senhas para as cinzas na água

 

 “ Das coisas lançadas ao acaso, a mais bela, o cosmo”

  Heráclito

 

1

 

A luz do ser é como a água

também veio do Sol

onde todos os planetas querem entrar

 

Dentro do Sol

O ser é imóvel

como a gratuidade de um êxtase

parecido com a respiração

 

Fora do Sol

o ser é móvel

Tempo eternidade

e tempo cronológico

 

 

2

 

A água é a  Alma

dentro do corpo

Em um quadrado

há um triângulo

de fogo

dentro do triângulo

um eneagrama

de ar

 

Em nós

a água

é o que ama

enquanto o ar pensa

e a emoção é a  chama

que o incêndio da morte

alimenta

 

A água é o que sonha

o que o tempo desenha

os círculos que somos

criados pela pedra

que afunda

quando acordamos

 

 

3

 

O Eu

é o vapor que se desprende

do gelo:

essa ilusão chamada identidade

no fogo do Ser se dissolvendo

Quando dizemos Eu

a alma que é a água dorme

e o que perdemos é a nuvem

do que não sabemos

 

 

É música tudo

o que a água pensa

No rastro das nuvens

se esconde a harmonia

dessa sentença, mesmo na tempestade

o relâmpago

rasgando o ar

é um silencioso canto

mas o trovão, quer nosso despertar

e fracassa, esse rugido estelar

que acorda em nós, apenas medo e espanto,

para a estrela retorna

silente fúria

que não compreende

nosso pranto

 

*

 

O  anti-ulysses

 

“Lugar preenchido de vazio“

Botika em Búfalo

 

E apontando para os oceanos, uma gota de esperma

Nossa Mãe Santíssima, veio do mar, ele diz

Um dia elaele acorda

mas esse voo não podemos

com palavras

evocar, porque

os nomes estão sempre

escondendo o estelar

nada dentro de  nenhum, tudo à direita  do Um, mas

se ele consegue

coisa alguma nomear

podemos  destruir e também  retomar

Porque nenhum país

é  realmente nosso lar

por isso essa rua

como a não mente

pode estar

em todo lugar

 

*

 

E eis que somos o transe da terra

 

“Não quero ir onde não há luz“

Fernando Pessoa

 

 

O demônio

foi criado

para que alguma coisa dentro do universo

da metafísica das religiões

se parecesse conosco, ele é

como uma falsa escolta de reflexos

do lado opaco do espelho ou da névoa

das trevas, uma lição fulgor

da irradiação

de uma impossibilidade

do vazio

Ele é o sentido histórico,

a lama que crescendo como  grama

repleta de agulhas

de ouro

O anjo do humano

andando pelas ruas

não verá  o povo,

 

vejo os números e eles nada me falam do sentido histórico sendo destronado para que os poéticos tomem o poder

e vomitem uma nação africana

na Alphaville soterrada

O riso dos rios enterrados

de São Paulo

procurando os céus

e a  ética do sublime será  como   essa tribo

de índios de água