A escrita não-criativa de Kenneth Goldsmith
Kenneth Goldsmith é um colecionador de linguagens: autor de dez livros de poesia e editor fundador do arquivo online UbuWeb, Goldsmith é coeditor de Against Expression: An Anthology of Conceptual Writing e editor de I'll Be Your Mirror: The Selected Andy Warhol Interviews, sobre o qual se baseou a ópera Trans-Warhol, de 2007. Sobre sua obra, há, por exemplo, o documentário Sucking on Words. Além disso, é possível citar um discurso feito em homenagem a Barack Obama, quando o poeta e professor universitário leu fragmentos do noticiário de tráfego para o ex-presidente, e mencionar sua New York Trilogy, da qual a obra Traffic faz parte, ao lado de Sports e Weather. Os títulos são bastante sugestivos: noticiários sobre tais assuntos, selecionados e recortados, editados e (re)publicados.
À radicalização do ready-made, sobre o qual já escrevi aqui, Goldsmith deu o nome de Uncreative Writing: Escrita Não-Criativa. A preocupação do escritor é que o processo de produção literária ainda hoje ocorre, majoritariamente, como se a internet não existisse. E, para ele, é inegável a demanda de renovação da técnica a partir dos recursos contemporâneos. Isso inclui elementos tradicionalmente desconectados da literatura, tais como processamento de texto, banco de dados e programação, que, quando utilizados com precisão, podem inspirar a reinvenção da escrita. A internet e o ambiente digital apresentam aos escritores novos desafios e oportunidades para redesenhar o processo criativo, a autoria e sua relação com a linguagem. Confrontados com uma quantidade gigantesca de textos e linguagem, os escritores têm a oportunidade de ir além da criação de novos textos e gerenciar, analisar, (des)apropriar e reconstruir aqueles que já existem.
Kenneth Goldsmith escreve a partir de, por exemplo, pesquisas do Google, recontextualização de testemunhos jurídicos e de possibilidades "robo-poéticas". Porém é também notável o diálogo que Goldsmith desenvolve com obras do século XX, com escritores e artistas como Walter Benjamin, Gertrude Stein, James Joyce e Andy Warhol, a partir de um éthos no qual a construção de um texto é tão importante quanto o próprio resultado. Ao expandir essa tradição para o mundo digital, a escrita não-criativa oferece novas formas de pensar a identidade e a criação de significado.
No Brasil, a excelente Luna Parque publicou Trânsito, adaptação da já citada Traffic.
Abaixo, uma amostra do discurso de Kenneth Goldsmith a Barack Obama, além de uma entrevista com o poeta: