8 de março de 2017

O feminino

Eu, no desejo de ser desejada e com medo de ser estuprada caminho em sapatilhas de ponta num fio de teia de aranha arranhando o espaço me equilibrando e me superando e suspirando e sofrendo e buscando o gozo. 1º movimento. Escolho meu homem: o da vez. Quando me beija, sinto o cheiro de estrelas milenares explodindo no meu ventre, mas é breve, muito breve essa boca aberta que me resta depois do beijo. Quero cair numa catraca de metrô e rolar pela porta giratória do banco como senhora respeitável, daquelas que se masturbam mas não deixam transparecer, sonhando sempre, e sempre acorrentada a fios de aranha e sempre
passinhos
passinhos
passinhos
nos pés de bailarina.

Mas agora já é outra coisa. 2º movimento.
Por que raios eu devo ser comportada e envelhecer de forma digna? Confesso: beijo. E cada beijo é uma explosão no espaço sideral. E digo mais: dou. E cada trepada é um buraco negro. Mas não sempre com o mesmo homem, ou não pelo menos muitas vezes com o mesmo homem, porque não adianta, homem não entende. Mas mulher entende, é por isso que dizemos, chamamos “entendida”; mulher entende mulher na cama, e isso é o cúmulo da sororidade. Peraí, tô mentindo, nunca me deitei com mulher. Mentira também é coisa de mulher: “Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir?”

3º movimento: Dia Internacional da Mulher.
É fato que foi um massacre incendiário, mas ninguém se lembra disso. Hoje, policiais femininas, elas mesmas constrangidas, distribuem botões murchos de rosas para as transeuntes. Alguns homens não têm vergonha de pegar também para levar para a “patroa” (leia-se “escrava”). É vertiginoso o aumento de mulheres nos postos de trabalho, ganhando menos do que os homens e em cargos inferiores, embora mais estudadas e muitas vezes mais eficientes que eles. Deusa Atena dos olhos brilhantes, o que podemos fazer? Ficar à mercê de uma sociedade machista? Continuar enredadas na teia de aranha? É uma teia bem tecida, sem dúvida, a teia da vida, sem seiva menstrual. E sobre menstruação: eu não menstruo mais. Mas antes da menopausa já não menstruava: tomava cartela sobre cartela, o que não faz mal, o que é bom, médicos, alguns, defendem, mas as mulheres ainda temem o procedimento. Somos escravas de nossos próprios corpos.
Somos escravas de nossos próprios corpos, o que quer dizer: filhos. A realização de toda mulher. Hã?
Eu não tenho filhos. E sou uma mulher realizada.

4º movimento: filhos.

5º movimento: masturbação.
Não sou uma mulher tão bem realizada assim. A bem da verdade, não me masturbo. Devo ter sido repreendida na infância. Preciso de psicanálise urgente. Há anos me digo isso, mas é tão caro. Eu queria tanto fazer uma siririca gostosa, plena, gozar um líquido espesso, molhar a cama sozinha. É duro depender de homem pra isso!

E no fim de tudo, 6º movimento, o feminismo!

São tantas as vertentes que a gente fica meio besta de se “filiar” a alguma corrente. Tem até uma linha “amazônica” de feminismo. Mas, noves fora, o que resta é: temos de ser livres e, também, ter sororidade. Aí, volto: em alguns casos, o que nos resta é excluir completamente o homem do convívio feminino. Só praticar o amor entre mulheres. Viver em comunidade como na época de Safo de Lesbos, vivenciando a arte e plenificando a vida!

Mas eu sou uma coitada que ainda faz a jantinha do meu marido. E vou ser sempre assim, porque assim aprendi. Basta que ele me peça por favor e me agradeça. Condição sine qua non. Pelo menos.

E pensar que tudo começou mais ou menos com a reivindicação do direito ao voto e hoje, que grandessíssima merda, a mulher não vota em mulher, a mulher vota é no pastor que é contra o aborto e prega na igreja que ela deve ser submissa ao marido. Vômito. Como quem está grávida sem desejar.

Ser mulher é ser um furacão um muro grafitado uma flor meio despetalada um dente-de-leão assoprado que se espalha no espaço um dente de leoa que trincha a presa uma taça com vinho tinto pela metade sangue em abundância jorrando dos pulsos saliva que se coagula nos dentes alvos um tufo de pelo de gato uma pulseira de olho grego um carrossel de cavalinho um corcel uma cadela uma cadeira inclinada uma massagem vaginal um toque leve num ombro um útero que é do tamanho de um punho um punho que é do tamanho de um útero uma...