1 de fevereiro de 2017

A poesia de Caio Carmacho

Caio Carmacho é poeta, agitador cultural e curador literário. Publicou Livre-me (2013, Editora Patuá). Organiza todo ano o sarau poético Picareta Cultural (picaretacultural.blogspot.com) e é um dos curadores da OFF FLIP de Paraty (offflip.paraty.com).

 

essência

empurro o carrinho
de bebê
ao som estridente das cigarras
que em coro tentam
acasalar

e penso que
maior que o instinto de sobrevivência
que as leva a cantar
é a necessidade
de arranhar o ar
com sua singularidade

as cigarras não têm alma
mas cantam
elza soares tem alma
e canta

deve existir algum grau
de parentesco
entre as cigarras e elza soares

que cantam o fim do mundo
dentro do fim da tarde

 

*
epifania

ônibus com ar-
condicionado de manhã
tem cheiro de vidas passadas

é como abrir uma lata
vencida de biscoitos
amanteigados

é como se esconder
no armário da avó
até darem por sua falta

é como cheirar as calcinhas
recém-lavadas de sua mãe
no varal

é como entrar na caixa de pandora
e fechá-la por dentro

é como viver sem esperanças

 

*

 

os esquisitos do mundo

pedem desculpas por seu excesso
de originalidade
por possuírem estranhos hábitos
alimentares
por se vestirem de maneira tão
rústica em ocasiões públicas
e sempre apelarem à
astrologia
há pouco passou um do meu lado
usando chinelo e meia
os esquisitos do mundo não têm
vergonha
saem de casa muitas vezes sem pentear
os cabelos fazer a barba raspar as pernas
axilas
e vivem alheios às últimas notícias
e acontecimentos
são peripatéticos e carregam livros
pra lá e pra cá
pra cá e pra lá
às vezes os invejo e me pergunto
qual o critério adotado para serem
assim
eles que riem alto ao ouvir
‘muito estranho’
do dalto
e ignoram os inocentes do leblon
do drummond
os esquisitos do mundo unidos
jamais serão
enrustidos