Um experiência digital
Desde que comecei a editar livros, há quase 4 anos, sempre tive o interesse e a vontade de fazê-los de maneira impressa e digital. Mas o livro digital, ainda hoje, é mal visto. Em grande parte, principalmente, pelos próprios autores, que continuam a enxergá-lo como algo “inferior” ao livro impresso.
Em 2014, quando comecei a pensar na criação da minha primeira editora, lá no Ceará, desejei que os livros fossem publicados nas duas mídias, mas conversando com meus sócios concluímos que não havia lógica em ter livros digitais, seria “perda de tempo”, pois “ninguém” leria os livros e teríamos um custo que não poderíamos cobrir. Além disso, como colocar os nossos livros na Amazon, a qual sempre fomos contra? Me deixei levar por esses argumentos e por isso, até hoje, a editora não tem nenhum dos seus livros em formato digital.
Como se vê, as editoras também têm culpa quanto aos problemas em torno do livro digital, primeiro porque parece não haver da parte de muitas delas uma grande afeição pelos e-readers ou livros digitais. Segundo porque parecem não acreditar no potencial que o digital pode prover. Pouca gente, na verdade, entende o mercado digital e quais as vantagens que ele pode trazer tanto para autor quanto para editora. Falta, eu diria, antes de qualquer coisa, boa vontade para se analisar o todo.
Mesmo assim, nunca saiu de mim a ambição de ter os livros que eu editava nas duas mídias, e, já que eu não poderia lançar os livros impressos em formato digital porque traria custos para a editora, resolvi que aprenderia a fazer a conversão dos livros para o digital e me interessei cada vez mais por saber como funcionava o mercado. Ainda hoje não o compreendi totalmente, mas já é possível ter uma ideia ampla do cenário e compreender que o livro digital nunca foi um vilão, mas um parceiro.
Durante quase 3 anos, fiquei tentando me informar sobre o mercado e fiz alguns cursos na área de editoração, entre eles um sobre o mercado dos livros digitais. Mas só ao final do ano de 2015 resolvi que faria um curso virtual – acabei realizando o curso ofertado por Fernando Tavares, da Booknando – para aprender a converter os livros para a mídia digital.
Isso ocorreu porque resolvi fundar uma nova editora, que teria como objetivo ter o catálogo impresso totalmente convertido para o digital e que criaria coleções exclusivas para o digital. E foi aqui que o bicho começou a pegar.
Fora a dedicação e o tempo que tive que despender para o curso, tive que aprender o processo de conversão detalhadamente, como pensar em trabalhar o marketing do livro digital, como entender as suas peculiaridades. Aprendi que produzir um livro digital não é algo “tão fácil” quanto leitores e autores creem ser. É um trabalho que precisa se atentar aos detalhes e que possui o seu custo, pois a mão de obra qualificada para tal não é tanta assim no Brasil.
E toda essa minha experiência, que está apenas no começo (faz apenas 6 meses que estou com a nova editora), está me fazendo pensar ainda mais profundamente e sobre novas perspectivas o mercado do livro.
É triste pra mim perceber que, quando o assunto é livro digital entre amantes do livro impresso, é possível notar que vários dos argumentos não são sustentáveis. E que ainda são os mesmos argumentos que eu um dia utilizei, há alguns anos. O público leitor e alguns profissionais do mercado editorial não parecem observar que o número de leitores digitais, digamos assim, e que o montante de vendas de e-books vêm crescendo, e que são muitas as vantagens para o livro se o tivermos nas duas mídias ou mais (como os audiobooks).
Pensando sobre essa possibilidade, sempre tento inserir o tema quando estou conversando com autores/autoras e editores/editoras. Busco saber se estão todos pensando sobre esse mercado. Infelizmente, o que concluo é que há um desconhecimento profundo de como tudo relacionado ao mercado do livro digital funciona, principalmente entre profissionais da área. Há uma descrença nessa mídia, que me parece, por vezes, inocente.
O fato é que, depois de alguns poucos anos tentando compreender o livro digital e desejando ter um catálogo impresso que também estivesse disponível no digital, posso dizer que ter o e-book em paralelo ao livro impresso funciona melhor do que tê-lo apenas impresso. Parece simples, mas o fato é que para muitos isso é algo que ainda não vale a pena.
Mas por qual motivo eu digo isso?
Primeiro porque, se há a possibilidade de ampliar o leque de vendas dos meus livros, inserindo-os em livrarias digitais, acredito já ser um ganho enorme, pois há uma ampla dificuldade de pequenas editoras, por exemplo, terem seus livros físicos nas livrarias, isso devido à burocracia (muitas delas só aceitam vender seus livros se você tiver cadastro em distribuidora, que por sua vez só aceita lhe cadastrar se você já tiver um catálogo amplo).
Fora isso, não haverá aquele valor de frete que é gasto para o envio dos livros para as livrarias, que acabam voltando para as editoras depois de certo tempo amassados, rasgados e que só trazem débitos. Isso, por si só, aos meus olhos, já é algo a se pensar, ao considerar o custo-benefício dos livros digitais.
Há ainda a possibilidade de o autor ganhar mais visibilidade. O livro digital alcança pessoas que não podem ter facilmente acesso ao livro impresso, que, atualmente, em várias editoras independentes, acaba tendo tiragem de 100, 200 exemplares. O que facilita enormemente o trânsito do livro pelo mundo.
Alguns dirão que o livro digital não tem esse poder sozinho e que mesmo assim ele não substitui o livro impresso. E evidentemente que vou ter que concordar. Mas eu não quero aqui dar a entender isso. O que gostaria que se pensasse é nas possibilidades que o livro digital traz para a editora e para o autor, e com certeza para o leitor. Certamente, assim como todo e qualquer livro, para uma obra ter um maior envolvimento com os leitores, um maior alcance, é necessária a divulgação. E sabemos que gastar dinheiro com marketing não é para todas as editoras. Mas, se pensarmos de forma resoluta, podemos facilmente perceber que a conta pode ser, sim, positiva. Ao invés de eu enviar 15, 20, 30 livros impressos pelos correios para parceiros, blogueiros, críticos etc. eu posso enviar o livro digital, e o custo aí já será minimizado. Quando argumentarem que essas pessoas não lerão o livro, é necessário que se atente, que se entenda que o problema aí não é o livro digital, mas o hábito de uma leitura que também pode ser feita em computadores, tablets, smartphones etc. E daí também a necessidade de se contribuir e de se repensar como fazer com que os leitores que gostam de ler livros impressos comecem a se interessar pelos e-readers e afins.
Eu também afirmava categoricamente que ler em computador não era algo sadio, que não era a mesma coisa que o impresso e que provavelmente eu nunca leria em smartphone. Agora, nesse momento, estou lendo Feliz ano novo, de Rubem Fonseca, comprado e baixado pelo aplicativo da Kobo. Eu, que afirmei categoricamente que não o faria. E isso se deve a quê? Há inúmeros fatores que me levaram, aos poucos, para essa leitura. E de forma alguma isso me afastou ou me afasta dos livros impressos: há 4 estantes enormes e cheias, superlotadas, por trás de mim vendo eu escrever esse texto.
Sendo assim, mesmo havendo ainda muito a se falar, percebo que eu estava errado e que muitos estão errados, não porque quem é a favor ou quem trabalha com livro digital esteja certo, mas, talvez, tenha compreendido que a leitura é o ponto que mais interessa em toda essa história. O livro será sempre um meio de divulgação de uma história bem contada por alguém. De qual maneira ele chegará até os nossos olhos pouco importa, importa entendermos que estamos todos juntos e que, se existem algumas outras variáveis em torno do livro digital, essas variáveis precisam ser debatidas, mas não devemos massacrar o livro digital por isso.
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Como indicação, listei, com ajuda dos amigos dos editores digitais, algumas editoras que trabalham especificamente no meio digital e outras que trabalham tanto com o livro impresso quanto com o e-book: