16 de janeiro de 2017

Grito, de Godofredo de Oliveira Neto

Grito, de Godofredo de Oliveira Neto, nos apresentar Eugênia, uma senhora octogenária, que por muito tempo atuou nos palcos brasileiros. Ela mora sozinha no Rio de Janeiro, perto da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, em um apartamento. Sua ‘diversão’ é visitar Fausto de Sá Cintra, que mora no apartamento 318, para ver as encenações que o moço de 19 anos cria.

Não se sabe ao certo, de início, se o que existe entre os dois personagens é uma relação amorosa, em que é mal vista, em determinado momento, por transeuntes, ou se tudo não passa de imaginação de Eugênia. Seria, então, um amor platônico que vive a ‘irmãzinha’, apelido que lhe dera Fausto.

Os vinte e um atos do romance – não capítulos, é importante que se diga – são curtos e trazem um fluxo de consciência em maior parte de Eugênia. Em alguns deles, o que se tem é apenas as cenas que Fausto encena para a irmãzinha.

 

 

Em Grito, realidade e ficção se misturam. Eugênia sempre está a receber as visitas de Fausto para ajudá-lo na composição de suas novas obras. Em alguns momentos, a discordância de Fausto é deixada de lado pela experiência de Eugênia, que o ajuda a entender melhor a composição de uma história.

O leitor pode chegar a se sentir perdido em algum dos atos, tendo em vista que vários deles são encenações já sendo realizadas por Fausto, ou que podem ser memórias de encenações de Eugênia. Esse entrelaçamento do fluxo de consciência da ex-atriz e de sua vida, juntamente com as memórias que possui e a relação que mantém, de amizade e amor, mesmo que platonicamente, com Fausto, ajudam a criar um momento para que o verdadeiro grito ocorra, por diversas pessoas, numa ocasião que ninguém esperaria, que é o que ocorre ao final do livro.

Assim como Ifigênia de Sá Sintra não pôde dar o seu primeiro grito ao nascer – irmã de Fausto que já nasceu morta – alguns atores e algumas atrizes que estão a encenar o que será sua última peça são vítimas da solidão de Eugênia.

Tendo sido chamada para uma encenação no apartamento de Fausto, a velha com mais de oitenta anos percebe que ela não será a única expectadora e que alguns irão participar da encenação que Fausto criara. Contudo, este deixa o local para ir comprar algo que faltara para as visitas (ou seriam vítimas?). O que ocorre, então, com a arma que Eugênia tira de uma das gavetas é algo que aparentemente foi encenado. Assim pensaram alguns dos seis outros que ali estavam. Mas ao ver que o primeiro corpo não se movia, todos os outros começam a implorar que Eugênia não os mate.

A cena é digna de o final de uma peça teatral, realmente, mas não deixa de ser impossível que algo assim pudesse ocorrer na vida real. A loucura de Eugênia, finalmente, toma forma e o seu amor doentio e platônico, com ciúmes à flor da pele, acaba por trazer um final trágico à narrativa.

Grito, de Godofredo de Oliveira Neto, é um livro curto, tendo em vista a estruturação dos atos, que são curtos, sintéticos, sem gordura textual, que dizem o que têm para dizer. O autor parece ter encontrado um excelente equilíbrio para a narrativa. O leitor ainda pode sentir que algo falta na história, como se a não problematização da personalidade de Eugênia ficasse evidente logo. Mas creio que a ideia foi sobre a superfície do que o outro, Fausto, vê, mostrar quem era Eugênia. Assim como creio que ao sabermos de suas histórias passadas, de suas encenações, o autor quer nos dar pistas, sem obviamente detalhar, do que irá acontecer ao final da peça “Eugênio e Fausto, vinte e um atos para morrer”.