2 de janeiro de 2017

Entre sem bater, de Marcos Rey

 

Dificilmente você terá ouvido falar dos romances adultos de Marcos Rey. Talvez, você nunca tenha ouvido nada acerca sobre a obra dele porque nunca ninguém teve a ideia de lhe indicar um dos grandes escritores brasileiros que parece estar esquecidos.

Depois de uma curta pesquisa, e com a ajuda do amigo Marco Severo, soube que Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato, era mais conhecido por sua literatura infantil. Apesar de ter ganhado três Jabutis (1968, 94 e 96), parece que Marcos Rey foi esquecido. Não pela Global Editora, que vem reditando várias de suas obras, como o romance intitulado Entre sem bater.

Não deixando-me levar pela capa, acabei por me inserir no mundo em que vive Ângelo Santini, um gordo senhor que possui uma indústria de esponjas de aço, chamada Limpex, uma das maiores do país. O empresário, que saiu da miséria para a riqueza depois de muitos anos de trabalho, dedicação e, claro, sorte, é um viúvo solitário. Em sua casam após a morte da esposa, convive com a mãe e as irmãs.

Para ele, trabalha Ricardo, um quase malandro, que é seu gerente de vendas, e possui uma das mulheres mais bonitas que Ângelo já vira na vida. Na verdade, Irene não é casada com Ricardo, mas os dois vivem juntos há muito tempo, em amplo conforto, que só é possível pelo salário que Ângelo paga a Ricardo e às gordas comissões que recebe.

A história se baseia nesses três personagens principais. Todas as suas histórias são contadas em retrospectivas muito bem arquitetadas e que compõem o universo de Entre sem bater, sem dúvida nenhuma, um dos melhores romances nacionais mais bem escritos que já tive a oportunidade de ler. É o tipo de narrativa que não quer nos dar fôlego.

Num primeiro instante, temos Ângelo como o foco narrativo mais importante da narrativa. Iremos saber como ele construiu seu império, como despontou para ser um dos empresários mais ricos do país com ajuda de Ricardo, que antes trabalhava para o concorrente, e como saíra da miséria para ser um dos homens mais importantes do país.

Em meio a sua história, iremos acompanhar as histórias de vida de Irene e Ricardo. Iremos conhecer a infância da moça por quem Santini se apaixona e entender quais as verdadeiras intenções de Ricardo ao trabalhar para Ângelo.

De Irene, ficamos a saber que seguia seu pai em busca de um novo local para ficar e de um novo trabalho que pudesse pagar as contas de casa. Seu pai, um velho gatuno e aproveitador, vivia de galho em galho, tentando sempre conseguir viver de golpes. Irene, em sua adolescência percebe que aquilo não é vida para ela e arranja um emprego e irá viver sem o pai.

Sua história nos levará até Ricardo, mas antes ficaremos sabendo com quem Irene irá casar, o que resultará seu caso com o velho Rudolf, um empresário que estava doente e que tinha pouco tempo de vida, e como ela deixará tudo de lado para viver ao lado de Ricardo.

 

 

Marcos Rey, assim, vai a cada capítulo desmontando um quebra-cabeça pra entendermos as reais intenções dos três personagens que compõem a narrativa de Entre sem bater. Ele cria um ciclo de histórias em que mostra como a vida dos três personagens estão ligadas e como elas podem todas vir a desmoronar em conjunto.

Ricardo é um rapaz que sempre teve inveja dos mais ricos, mas não de Ângelo, por ver nele um matuto que ficou rico, um homem brega, sem escolhas e firmezas na vida. O que Ricardo sempre quisera foi viver o presente, gastando com tudo que podia e sem ter que viver a trabalhar em demasia. O que ele não esperava era que Ângelo começasse a cobiçar sua mulher e perceber que sua empresa não precisava mais do gerente de vendas, que fora o salário altíssimo que ganhava ainda tinha direito a comissões de vendas de todos os vendedores da empresa.

Daí pra frente o que se tem é um jogo de poder. Ricardo tem Irene, que chama atenção de Ângelo, criando nele uma vontade de tê-la a qualquer custo. Contudo, Irene é quem realmente ditará o caminho de todos. Ela decide com quem irá ficar ou o que poderá fazer. A escolha é sua, sempre foi, mas diante das suas inseguranças, de uma baixa autoestima, e em achar que é alguém dependente, muitas vezes, não consegue perceber que os homens que lhe desejam não passam apenas de subordinados se assim ela o quisesse.

Aos poucos, a disputa entre Ângelo e Ricardo chega a um momento delicado quando o dono da indústria despede o seu melhor funcionário. Ricardo, achando que conseguiria o emprego de volta, tenta de todas as maneiras criar novas perspectivas para a empresa de Ângelo, que rebate as ideias para ter o gerente afastado do cargo. Assim, o amante de Irene vai em busca de novos empregos, mas nada consegue.

Esse é o cenário em que se situa Entre sem bater. Uma narrativa bem construída por meio de três personagens desestruturados, que não conseguem se fincar na vida, ter uma estabilidade, seja ela econômica, seja ela emocional. Todos os três são dependentes.

O interessante da escrita de Marcos Rey é que ela pode servir, com certeza, para os novos autores, como referência em questão de estruturação de um romance e da criação e elaboração de personagens. A narrativa, também, cheia de diálogos, evidencia que as relações entre Ângelo, Ricardo e Irene são criadas com certa delicadeza, em que os detalhes vão surgindo aos poucos, e juntamente todo o contexto em que estão inseridos. É como se saíssemos do olhar de uma fechadura para ser possível contemplar a visão de um quadro completo.