23 de novembro de 2016

A poesia de Carla Diacov

Carla Diacov, São Bernardo do Campo, SP, Brasil, 1975. Formada em Teatro. Estreia em livro, além da participação em algumas antologias, com Amanhã Alguém Morre no Samba, (Douda Correria, Portugal, 2015). Tem participação em diversas revistas on-line e impressas. Se atraca com as plásticas o tempo inteiro, movimento que a serve a construir em conjunto de matérias ou que a traz de volta às letras somando algo da extração da borracha. Gosta de abordar o sangue. Tende a ser serial. Em Agosto de 2016, publicou A metáfora mais Gentil do Mundo Gentil, (Macondo Edições). Em 22 de Setembro vê lançado o primeiro volume de Ninguém Vai Poder Dizer Que Eu Não Disse (Douda Correria, Portugal, 2016).

 

~~~
é um milagre
fiz umas fotografias das ruas das gentes
nas ruas suas perucas suas roupas
suas décadas
cheguei a sentir saudade quando fiz
essa fotografia da mulher com berinjelas no colo
cheguei a sentir saudade de alguma coisa ali
tenho medo de voltar à fotografia
da mulher com as berinjelas
a vida toda vai ser isso de não voltar
nunca ao instantâneo
da mulher com as berinjelas no banco perto da praia
é muito bonita a imagem toda e cheia
de lembranças que não são minhas
a nuvem porém uma só nuvem miudinha e porém
se essa fotografia tivesse um nome chamar-se-ia nuvemporém
eu jamais voltaria lá nunca sozinha
ou desarmada
não eu jamais voltaria
o milagre é não voltar
a mulher estará
é um milagre
SE A MULHER BEIJA OS JOELHOS
ESPREME AS BERINJELAS
é um milagre ela saber e não fazer
eu não quero voltar
lá eu não volto
lá ela estará
não me obrigue a voltar
esse milagre é só meu
SE A MULHER BEIJA OS JOELHOS

 

108fd-5

 

~~~
esse cheiro do teu nome penhasco além. andaste me tocando aos céus, não foi? tua mão pousada sobre o cheiro da lã então à lã então tudo que for vermelho e acima. como é bonito o teu silêncio com colinas e véus. de olhos firmemente cerrados tuas vermelhas orelhas: meus penhascos pingentes. estou sangrando quando digo MEUS PINGENTES: preciso de uma carona para hoje caber no que quero para ontem e adiante voltando um pouco para o jantar tua cara invertida na colher: O PENHASCO FAZ LINDAS CADÊNCIAS PELA MANHÃ NA TUA LÃ. pingentes meus e um sono ascendente: meu nariz metido na tua lã uma carona tua cara invertida na colher esse cheiro do teu nome tão preciso amor.

 

198fd-4

 

aspirinas

vou ao banheiro
me sinto estranha
verifico minhas veias minhas varrições
me sinto envergonhada
abro a torneira
meto um copo pelo aguaceiro
tomo três aspirinas
sou a mulher do filme sueco
pois que ninguém repete esse gesto no brasil
estou lá
com aspirinas pelo encanamento central
não importa a cor do banheiro
tudo é de um sempre azul esverdeado
não importa a hora
tudo é de um sempre vazio ecoando gentes
imagens para fora do evento banheiro
auto estrada sul gambás com asas
ratoeiras e cachimbo no andar de cima
gentes
me sinto acabrunhada ainda
assim a mania é lustrar o ponto pisado
com a meia cheia de patinhos
com a meia cheia de nada
nunca o par correto e me sinto atarantada
toda a janela do banheiro
toda a cortina com argolas
todas
os raios de todas as setas do ralo
os raios todo raio que vai dar em gentes
o banheiro é matemático demais para
uma idiota mal escovada
estou sonhando
resmungo estou sonhando
quero acordar que nem criança mijada
envergonhada
não estou sonhando
minhas veias estão em acordo
com o tom da nota no jornal
FUNCIONÁRIA DE LANCHONETE FAMOSA
ESFREGA O PÊNIS NO GERGELIM
E URINA NA FRITADEIRA APÓS O COMA
DE 41 ANOS
sou a sueca das aspirinas
resmungo estar meditando
é isso
resmungo estar meditando gentes
pilhas de gentes no cesto de roupas sujas