Pra que serve um prêmio literário?
Há algum tempo, vi um escritor que admiro mencionar o nome de um outro escritor como sendo alguém cujos livros ele recomendava. Eu nunca tinha ouvido falar na pessoa. Fui ao caminho óbvio: pesquisar no Google. Lá, vi que o cara já ganhou mais de cem prêmios literários. Cem. Nenhum deles prêmios de grande repercussão nacional, mas tá lá, ganhou. Deve ter recebido também um certificado a mais pra colocar na pasta onde ele os coleciona, e no mais é isso mesmo, paciência. No entanto, o nome dele continua ignorado de maneira retumbante, conhecido por poucos e lido por pouquíssimos. Do que adiantou, me pergunto, ganhar tantos prêmios?
Algumas respostas são possíveis.
Uma eventual premiação em dinheiro é uma delas. Nada que dê para o próprio sustento por mais que algumas semanas, mas vá lá que exista o tal prêmio em dinheiro. Melhor do que ganhar só um aperto de mão de um cara engravatado naquelas cerimônias chatérrimas.
Outra possibilidade, claro, é ver seu livro impresso – ou, no caso de histórias mais curtas, vê-la numa antologia – e, neste caso, receber uma quantidade de exemplares da obra para vender ou distribuir entre os amigos.
Alguns outros prêmios também dão viagens (para alguma feira literária) e uma ou outra mesa com direito a fala – ou seja, é a hora de se vender, de ser seu próprio marqueteiro e ver o que pode acontecer.
O certo é que mesmo os prêmios mais importantes do Brasil e no mundo não possuem o histórico de revelar ninguém que, a partir de então, passe a ter sucesso duradouro. Com isso quero dizer, que passe a publicar com regularidade e ter boa aceitação de crítica, público ou um dos dois. À exceção do prêmio Sesc, que premia justamente quem nunca foi publicado (e que dá garantia de visibilidade mas não de vendas e, muito menos de que a carreira prosseguirá bem pós-Sesc, basta ver a proporção dos premiados que continuam a ser publicados e lidos) a imensa maioria apenas retoma os mesmos surrados nomes de sempre. Não existe, praticamente, novidade. É como se ninguém pudesse ser melhor, num dado ano, do que alguém que já frequenta as prateleiras de livrarias há mais tempo. Claro que, eventualmente, alguém escapa e vira um ponto fora da curva. Eu até diria que nos últimos anos isso tem acontecido em alguns dos prêmios (que também não deixam de premiar seus “cânones” de sempre).
Repare nos vencedores de prêmios como o Jabuti, o Príncipe de Asturias de las Letras, Prêmio Oceanos, dentre outros. Quem esses prêmios andaram revelando que já não estivesse antes sendo publicado e lido?
É evidente que ganhar o prêmio alavanca as vendas do título vencedor e de outras obras do autor, faz o nome circular e claro, depois de um tempo, faz alguém dizer, quando ouve o nome: “É, acho que já ouvi falar”, com uma certeza meio envolta na névoa.
E é na névoa que os nomes dos premiados costumam ficar. Senão vejamos: tente lembrar aí quem foram os últimos três vencedores do Prêmio Nobel de Literatura. Você consegue, sem antes fazer algum esforço? Mais do que isso, e é aí onde está a Grande Questão: quais livros deles você leu? Afinal, prêmio literário não só não garante a perenidade da visibilidade de ninguém, como também não garante fluxo eterno de vendas.
Não esquecer jamais do que László Krasznahorkai, escritor húngaro que recebeu o Prêmio Man Booker International em 2015 disse, ao saber que havia sido o vencedor: “O dinheiro do prêmio veio em boa hora. Eu estava prestes a ter que voltar a trabalhar em minas de carvão pra sustentar minha família”. É, amigos, a vida é dura. E nem o prêmio, um dos mais importantes do mundo, serviu para que sua obra fosse traduzida em países como o Brasil, por exemplo. Quem quiser que aprenda inglês pra ler suas obras.
Correndo mais ou menos por fora desse rol há o Prêmio José Saramago.
Até hoje com nove edições (o prêmio é bianual), premiando um escritor de romance ou novela por edição, impulsionou violentamente a carreira de três dos nove laureados – que provavelmente continuaram a dar à luz livros de alta qualidade: Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto e Gonçalo M. Tavares. Outros quatro (Ondjaki, Andrea del Fuego, Adriana Lisboa e João Tordo) tornaram-se nomes conhecidos e estudados mundo afora, mas ainda não são escritores conhecidos por um público amplo.
Os outros dois continuam no mundo das letras como ilustres desconhecidos.
E por que disse três parágrafos antes que o Prêmio José Saramago corre “mais ou menos” por fora? É simples: oito dos nove premiados já eram publicados antes de ganhar o prêmio, ou seja: o prêmio, em si, também não revelou ninguém. Ter impulsionado bastante a carreira de três é mérito? Talvez. O que não tira o mérito de quem continuou a escrever boas obras.
Há também aqueles escritores que são famosos, queridos e lidos, que nunca ganharam prêmios e parecem honestamente prescindir deles. Exemplo mais claro disso é a italiana Elena Ferrante, fenômeno de vendas, sucesso em países anglófonos, respeitada pela crítica e que, no entanto, nunca ganha nada.
Isso sem contar com escritores que, apesar de receberem prêmios vistosos, por assim dizer, continuam publicando por pequenas editoras. Opção, amizade com o editor, ou é porque não há espaço pra todo mundo nas grandes editoras mesmo?
O mesmo escritor do qual gosto e que começou a crônica, afirma: “Não há melhor meio de avaliar nossos escritos que os concursos literários. Opinião de amigos nem sempre é sincera.”
Pronto. Eis aí, possivelmente, a melhor razão para submeter-se a premiações (além das lautas premiações em dinheiro, eventualmente): livrar-se de opiniões contaminadas.
Dizem, entretanto, que Machado de Assis tinha sua esposa, Carolina, como primeira leitora. Há quem diga que ela até escrevia parte dos seus romances. Tudo fofoca, talvez. Pouco importa: nem o nome dele, nem sua reputação, jamais precisaram de prêmio literário algum.