2 de novembro de 2016

A poesia de Vitória Régia

Vitória Régia é graduada em Letras e mestranda em linguística aplicada pela Universidade Federal do Ceará. Autora do livro Partida de não Dizeres publicado em 2015 pela Editora Substânsia. Assina o blog entreditos.wordpress.com.

 

Notas

Recebi seu telefonema quando dois homens sorriram um para o outro
Os carros se apertavam para passarem na rua estreita
Postes eram acesos
Sinais fechados
Quando isso se tornou inalcançável pra mim?
Alguns transeuntes na beira mar se tocam e se esbarram
Lembro de tomar os remédios
Olhei o livro que você me deu e eu não li
O calor me ardeu e pássaros voaram sobre os prédios
Planejei a viagem, peguei os centavos pro pão. O café tomei sozinha.
Take the point while I make my mind
Nossos corpos restavam nus por um dia inteiro no quarto
Juno capta sons de Júpiter
O médico me fala das propriedades terapêuticas da música
Circulei na praça para esquecer o trabalho
Aprendi a meditar
Me desculpe pela carta, há coisas que queremos esquecer
Nadei três vezes por semana
Desabou um prédio com dois pintores na varanda
Anotei “Amor prelúdio” e escrevi poemas com motos na estrada
Aprendi a usar mapas
Filme tcheco, 1976: ela tem a veia de espuma do mar.
Os postais da cidade trazem fotos das praias
A ilha do Amor é só um braço do rio
As pernas bambam para que a onda não me derrube
É noite de maré alta
Perdi as passagens de nossa última viagem
Ainda era possível ler a data
Pra te dizer algo
Encontro ou efeito de colisão?
Coleciono papéis desde que me mudei novamente.

 

*

 

.

Aos teus pés, descerei cada vez mais fundo
E então, despeço-me soberba
Mas antes
Intercepta destilo teu sumo que nunca esqueci
Era fonte viva de inesgotável imersão
Declaro: sou ave, posso me atirar nas águas
O espinhaço que bem conheces, os trópicos traçados -
Sou canto quando explodo punhais.

 

*
Janeiro

Na mesa, e o café há pouco descia da xícara de porcelana encontrada no dia anterior coberta(o) de pó. Dois goles duros. Penso da viagem para o próximo trabalho, as erupções dos dedos tilintando o computador cessaram. Represálias dos meus dias que escorriam. Algumas notas: quarto pintado, madeira lixada. Postos de pé. Enquanto escurecia, eu recolhia os pratos da mesa e lembrava da arrumação que a sala de estar necessitava. Vivia com as notas mentais. O cansaço batia, e os movimentos uterinos me sinalizavam. Dez semanas. Enquanto você cresce, observo minha respiração com pés úmidos de dia de chuva.