As novas mitologias
Publicado na década de 1950, o livro Mitologias, de Roland Barthes – dos mais importantes semiólogos do século passado – mantém uma atualidade admirável. Constituído por pequenos fragmentos, o livro trata dos mitos do cotidiano da sociedade francesa à metade do século XX. Sua abrangência, contudo, ao menos como estrutura, dá conta não apenas de boa parte do ocidente à mesma época, mas das estruturas da sociedade hoje.
Os mitos, para Barthes, são pequenas ideologias, deformações cristalizadas, munidas de perenidade, da realidade em que nos encontramos. Desde o formato de comerciais televisivos até hábitos profundamente incrustados em nossa maneira de pensar, como a necessidade do casamento ou da inserção no mercado de trabalho, as mitologias de Roland Barthes cobrem boa parte da maneira ocidental de pensar.
A atualidade da obra, porém, não reside nos exemplos, mas na teoria que o semiólogo constrói ao final da compilação de pequenos fragmentos. A menção ao abade Pierre pode não significar muito em 2016, mas a forma como Barthes o enxerga pode se revelar muito contemporânea.
É evidente que continuar o exercício de compilação e análise hoje pode ser enlouquecedor, uma vez que a publicidade ganhou corpo e face desde os anos 50 e a ingenuidade do público frente ao que é oferecido é infinitamente menor, tornando um exercício semiológico nos mesmos moldes algo muito mais complexo, até pelo próprio desenvolvimento teórico da semiótica/semiologia.
Porém, é impossível negar que as observações sobre mídia traçadas pelo francês não servem somente como registro histórico: servem como lição de estruturação de ideias, dando conta de diversas subdivisões da sociedade a partir de um único tronco.
Mais importante: Barthes deixa a ideia de aplicar sua análise, por exemplo, ao mercado de arte, tão plural e divergente nas últimas décadas, além de crescentemente inflacionado e subjetivo. A inversão do mundo apresentado nas Mitologias serve exatamente como ponto de partida para a busca por um novo objeto, talvez não aos moldes do semiólogo francês, mas algo, quem sabe, intra-artístico que não uniformize, ainda assim dando conta, de forma organizada, de tantas diferenças no terreno contemporâneo das experiências sensoriais.