11 de outubro de 2016

O mundo conectado

Estranho. Essa era a palavra mais próxima que pôde encontrar para definir a sensação que sentia. Apesar de aparentemente ter dormido bem, sentia-se cansado, sem energia. Talvez tivesse tido um pesadelo que não conseguia lembrar ou o cansaço dos últimos tempos estivesse mandando seu recado. Horas e horas de trabalho diante da tela de um computador deixavam seu corpo tão desgastado quanto sua mente. O sedentarismo é uma grande porcaria mesmo. Cumpriria a promessa de começar a academia assim que o trabalho desse uma trégua.  Abriu os olhos.

“Parabéns! Você é o integrante número 1.557.899.787 do Mundo Conectado! Para começar a usufruir de todas as vantagens desse clube exclusivo você deve seguir alguns passos bem simples. Você precisa recarregar suas energias. Em seu abdome você encontrará o fio de conexão inicial. Procure uma tomada e conecte o fio nela.”

Mundo Conectado. Já ouvira falar nisso. Um mundo virtual. Um mundo perfeito. O cansaço aumentava de maneira tão intensa que as ordens determinadas pela voz, ou seja lá o  que tenha tentado estabelecer um contato com ele, foram cumpridas imediatamente. Aproximou-se da tomada. Levantou a camiseta e viu um fio no centro do seu abdome e isso era mais estranho que o cansaço extremo que sentia. Plugou o fio na tomada. Um sinal iluminou-se a sua frente.

“Iniciada a primeira carga. Aguarde até ser completada.”

Sentiu-se aliviado e relaxado. Sentou-se apoiado à parede mais próxima. Adormeceu profundamente.

“Carga completada. Retire o fio da tomada para economizar energia.”

Horas depois a voz o despertou, mas não achou ruim. Estava surpreendentemente mais disposto. Retirou o fio da tomada.

“Iniciaremos agora os próximos passos para você fazer parte do Mundo Conectado. Para as próximas cargas de energia não haverá necessidade de energia elétrica. Seu próprio corpo gerará a energia necessária para o abastecimento da conexão através de atividade mental. O fio da conexão inicial será absorvido pelo seu organismo em algumas horas.

Agora é a hora de começar a usufruir das vantagens do Mundo Conectado. Informações, compras, contatos tudo em frações de segundo, com a velocidade de seu pensamento. Sua produtividade na velocidade do século 21! Ative a sua conta, acessando seu e-mail.”

Obedeceu imediatamente. Queria ver o que era isso. Alguns amigos seus já faziam parte do Mundo Conectado e só tinham elogios para o tal clube. Milhares de vantagens, produtividade a milhão, o que aumentara a renda deles significativamente. Pareciam mesmo muito satisfeitos. Sua hora tinha chegado. Abriu seu email e seguiu as novas instruções.

“Pronto. Você faz parte de um seleto grupo de pessoas que poderão usufruir de um clube de infinitas vantagens. Sua mente está conectada a uma rede de hipercomputadores e pessoas escolhidas criteriosamente para fazerem do nosso planeta um lugar melhor para se viver. O Mundo Conectado agradece a sua adesão.”

Pronto. E agora? O que esperaria por ele?

“Você pode continuar suas atividades diárias normalmente. O Mundo Conectado o ajudará a melhorar a qualidade de seu trabalho e da sua vida.”

Incrível! As respostas vinham na sua cabeça instantaneamente! Era tudo o que precisava. Agora sim sua vida mudaria de vez!

 

***

 

Uma mente incessante. Era assim que sentia. Tudo fluindo em velocidade alucinante. No trabalho conseguia concluir suas tarefas em tempo recorde o que lhe dava oportunidade de agregar mais funções e assim mostrar aos chefes que era um ótimo candidato às promoções. Em casa conseguia manter contato com os filhos, que moravam com a ex-mulher, diariamente através de mensagens de voz, textos, vídeos que gravava rapidamente. Assim era garantido que estava presente na vida dos garotos mesmo que virtualmente. Quando, em outra época, poderia ter essa facilidade? Só tinha contato com os filhos nas visitas quinzenais. Agora não, todos os dias mantinha contato com os garotos, embora fizesse meses que não os visse.

Contas, aplicações, impostos toda sua vida financeira era gerenciada por alguns aplicativos automáticos do Mundo Conectado. Tinha algumas dívidas, mas tudo por conta das excelentes ofertas que o mundo virtual oferecia. Nada que não pudesse ser pago. Se aumentasse um pouco sua carga de trabalho para mais uma ou duas horas diárias, talvez conseguisse saldar as dívidas em alguns meses. Já estava conseguindo trabalhar cerca de doze, treze horas por dia. Com o Mundo Conectado, precisava cada vez de menos horas de sono, já que sua atividade mental é que alimentava as conexões do Mundo Conectado.

Sua vida social era intensa. Conseguira centenas de seguidores no mundo virtual e mantinha contato frequente com todos eles. Via-se obrigado a alimentar suas páginas, blogs, redes sociais diariamente.  Todo bônus tem um ônus e esse era mínimo. Uma mensagem, um comentário, uma foto bastavam para se manter atuante e visto na vitrine virtual. Obviamente isso exigia algumas horinhas a mais de trabalho. Não, não podia considerar sua vida social um trabalho, era quase um prazer. Aliás o prazer vinha agora através do sexo virtual, totalmente seguro, sem riscos físicos e emocionais. O Mundo Conectado era, definitivamente, o Mundo Perfeito.

 

***

 

Um sinal sonoro tocou. Seu irmão o chamava. Mensagem. Ignorou. Precisava terminar algumas postagens e checar alguns investimentos. Insistentemente o sinal tocava. Saco! Abriu para deixar de ser importunado. Uma mensagem curta: o pai morreu. A tela com a mensagem seca ficou aberta por alguns segundos na sua frente. O pai estava doente e frágil. Tinha se programado para visita-lo, mas os compromissos de trabalho não deixaram. Mandara algumas mensagens por vídeo. Tinha se programado para vê-lo na próxima semana. Esperavam por ele no velório. Coisa antiga esse negócio de velório. Teria que deixar seus afazeres e ir lá se despedir do pai. Desnecessário, o pai já não o reconhecia há meses. Contrariado, arrumou-se. Foi.

Estranho. Essa era a palavra mais próxima que pôde encontrar para definir a sensação que sentia. Após meses sem sentir necessidade de sair de casa era como se fosse um extraterreno. Decidiu ir a pé, apesar da distância. O mundo seguia como sempre. Pessoas indo e vindo, carros apressados, sons urbanos. O dia estava límpido e claro, ofuscava sua visão, acostumada com as telas. Chegou ao velório exausto. O sedentarismo é uma grande porcaria mesmo. Observou as pessoas de longe. Pessoas choravam. Alguns se abraçavam. Aproximou-se do caixão. Seu pai estava lá frio e imóvel, como os mortos são. Eram parecidos. Sentiu-se como ele. Poucos falaram com ele. Já não o reconheciam com barbas longas e um longo tempo recluso, era como não existisse mais. Os filhos acenaram de longe. O irmão o abraçou e chorou em seus ombros. Estranho. Essa era a palavra mais próxima que pôde encontrar para definir a sensação que sentia. Não pertencia mais àquela situação. Não tinha vontade de chorar. Sentia apenas uma vontade grande de voltar a sua casa. Precisava de seu mundo. Foi o que fez.

Chegou o mais rápido que pôde ao seu apartamento. Sujo e escuro, esse era o ambiente que o acolhia. Abriu seus computadores, tablets, celulares. Uma sensação de alívio tomou seu corpo. “Um fim para as suas angústias. Você poderá se tornar parte integrante do Mundo Conectado vitaliciamente. Basta clicar em OK e uma conexão será feita imediatamente e você fará parte, exclusivamente do mundo virtual.” Era esse o caminho. Era esse o único caminho. Clicou sem pensar muito em OK. Um fio desprendeu-se do computador. “Plugue esse fio em seu abdome e aguarde a carga completa. Sua vida em suas mãos.”. Assim o fez. Recostou-se na cadeira e sentiu um prazer nunca antes experimentado. Eternamente conectado e feliz.