28 de setembro de 2016

A poesia de Raisa Christina

Raisa Christina (1987) é artista visual e escritora. Reside em Fortaleza, onde cursa o Mestrado em Artes (PPGArtes) do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, investigando o desenhar e algumas poéticas na criação de mapas de percursos errantes de jovens skatistas na cidade de Fortaleza. É autora do livro de autoficção "mensagens enviadas enquanto você estava desconectado", publicado pela Editora Substânsia em 2014. Integra a Antologia de Contos LiteraturaBR, publicada pela Editora Moinhos, em 2016. Mantém a página na web http://corposonoro.tumblr.com/

 

 

números

quantos romances
ainda terei que viver
para anular
a tua importância
nas horas vagas
e nas menos vagas
desses últimos dias?

 

*

 

pintura

que você não tem
que preencher uma superfície em branco,
que você não tem
que me preencher as tardes,
que você não tem
que preencher coisa alguma

 

*

 

coração

quando não vi você chegar,
saí pra tomar cerveja com os amigos
e beijei as três primeiras pessoas que me sorriram
sem motivo aparente
tiago, flores, iuri
algumas das mãos
que se prolongaram em mim
por instantes lembraram você
e até molharam a calcinha

 

*

 

agosto

em que partes claras do teu pescoço,
onde crescem ralos os pelos
e pouco chega a luz do sol,
meus dentes incisivos deixarão marcas?

 

*

voz

gosto de quando você não me responde de imediato e deixa dilatar entre a gente um espaço de silêncio para eu habitar com sereias e monstros, com pênis e vaginas, com palavras que lhe são proibidas ou com aquelas que, mesmo pertencentes à sua língua materna, você ainda não aprendeu a usar, com seu pescoço largo e seu cabelo cheio de fios brancos sob a luz da manhã, com meu nariz na sua axila suada, com o cheiro dos nossos corpos na toalha que lavei antes de ontem enquanto ouvia o julgamento na tv senado, sem dimensão do poder que emanava daquelas bocas, que não eram minhas nem suas.