3 perguntas (hipotéticas) para Raduan Nassar
Por que abandonou a literatura?
Não abandonei. A literatura é um gesto pensado para, depois da inércia, continuar como intenção. Toda a minha obra, pouca, é uma intenção de parar. De dizer o que foi dito e não abrir mais peripécia para palavra alguma. O escritor é também suas renúncias, desde que escolha conscientemente o que dizer e o que calar. Olha, depois de germinar, de fazer brotar, de cuidar dessas ramagens, achei por bem que queria ver isso na sua versão brutal, e fui cuidar da agricultura. De remanejar o dito cotidiano de uma fazenda. Sítio, como gosto de dizer, pois eu levo o som da palavra como bagagem. De escrever para plantar é um salto lógico. A terra tem muito a escrever dela. Quis romancear a terra pisando-a. Então me isolei, mas a literatura foi um gesto que não terminou, está aí, para quem quiser ler. Nem a posse de uma terra é definitiva. As gerações continuam. A literatura é rio contínuo, vai por afluentes. Você só atravessa. Ou se afoga.
Quando se interessou pela palavra e seu manejo?
No tempo da curiosidade. Vi que era não só ação para algo, mas instrumento ao alcance. Quando mais se usa, mais se torna complexo. Quis o aparato dificultoso. No lugar de usar como todos usam, botei jeito e mãos de forma estranha, mas para atingir um fazer que levasse mais tempo. Aliás, é o único instrumento em que o tempo é acessório importante. Para extrair significação, tem que usar até para consertar o que não vemos a princípio. Meu trabalho é pelo bagaço, mas o dentro dele se modifica a medida que espremo o bagaço. Ou quebrar a casca. De resto, as palavras têm diversos usos, que me lembrar um simples varrer no começo da manhã. Você faz mecanicamente o gesto, e ele se completa com qualquer escolha de palavra, tanto faz. Elas aí são a palha que cobre qualquer chão. Como estas aqui, fingindo que digo algo que sei. E tenho muito serviço pela frente. Está acabando?
Sim, só mais uma. Como vê a fama?
É mais uma palavra que dá sentido quem quer. É como eu digo, “o corpo antes da roupa”. Veste quem quer. Eu estou ocupado com a nudez. Fama pode ser conseqüência ou não. E por ela, não me dou conta, eu não mudo uma virgula do que disse por conta do que aparece no caminho. É como meu texto, Menina a caminho: tudo corriqueiro, e a fama é artificiosa. Ela cria outro procedimento, um conjunto de coisas e regras. O mesmo digo dos prêmios. Não mudo uma vírgula por conta. Vai repercutir o que eu falo? E daí? Vamos combinar o seguinte: isto que está aqui tanto faz ser verdadeiro ou ficção. Todos estão famintos de que tudo faça sentido. O meu sentido é este, a realidade de quem quis experimentar tudo. Para entrar melhor no sentido, o despojamento. O despojamento de tudo. Já basta que eu tire a vestimenta, no fim, o que sobra mesmo é o viver. Uma rude agricultura.