Perguntas ao editor | com Tiago Fabris (Editora Urutau)
Em 2012, um grupo de amigos (Ana Penteado, Wladimir Vaz, Tiago Rendelli e Carlos Rafael Souza) resolveram se reunir para editar livros. Dessa união surgiu primeiramente a Editora Medita. Depois de um tempo editando e tendo lançando mais de 20 livros, um dos integrantes do grupo (Carlos Rafael Souza) se afastou e o restante continuou, fundando, em 2015, a Editora Urutau. Até o momento são 13 livros editados e mais 15 para sair até o final do ano de 2016. O elo que une as duas iniciativas é o desejo voraz e antropofágico como eles encaram a literatura.
O que chama a atenção com relação às duas editoras é que ambas fincaram suas bases no interior de São Paulo, em uma viagem para as entranhas, para os espaços sem muitos “holofotes modistas”. Apostando em jovens escritores, numa relação menos asséptica e mais carnal, menos gourmet e mais tropical-canibal.
Não custa chamar a atenção para o que está acontecendo fora dos grandes centros, onde as luzes seduzem, hipnotizando e a literatura se apresenta mais glamorosa. Muito provavelmente o que tem se produzido hoje, no Brasil, como novidade no campo literário e artístico em geral, está acontecendo fora dos espaços já esquadrinhados e rateados entre alguns.
Na entrevista que segue, o Tiago Rendelli fala um pouco dos projetos editoriais da Urutau, tomando também as experiências com a editora Medita. Bem como da coleção Galo Branco, da revista euOnça e dos novos projetos por vir.
Revista euOnça http://www.editoramedita.com.br/#!euona/cf6c
Editora Urutau http://www.editoraurutau.com.br/
Selo acadêmico Margem da Palavra http://www.margemdapalavra.com.br/
Quais seus caminhos para produzir e fazer seus livros circularem?
Criar um livro, como diria Borges, é dar materialidade a nossa memória. Esse trabalho é realizado de forma coletiva e são muitas as mãos necessárias para forjar isso. Depois que o original é aprovado pelo nosso conselho editorial, o processo se inicia com uma rodada de conversas com o/a autor(a). Nessas conversas, além de esclarecermos algumas dúvidas sobre o processo de confecção do livro, também buscamos saber mais sobre a obra, até mesmo para entendermos mais profundamente quais serão os caminhos que adotaremos na confecção desse livro. Roger Chartier diz que o processo de feitura de um livro seria como dar corpo a uma alma. Nesse sentido, consideramos o original como a alma do livro. E ninguém pode dar o contorno à nossa alma a não ser nós mesmos. Por isso, evitamos interferir em demasia no fechamento da obra. Pedimos aos nossos autores(as) que nos apresentem uma obra jáestruturada — e, a partir daí, caso haja necessidade, fazemos sugestões.
Em seguida, se inicia o processo de preparação dos originais — é o momento em que dúvidas, caso existam, podem ser resolvidas, e é esse também o momento em que sugestões ou alternativas são, então, apresentadas. Eu diria que é um momento de diálogo entre o preparador do texto e o autor. O seguinte passo é a revisão técnica, depois diagramação, capa, nova revisão na versão já diagramada, fechamento de arquivo, revisão na prova e, por fim, a impressão. Depois de finalizado esse processo, acordamos o lançamento e iniciamos com a divulgação. Tem também o trabalho de pós-lançamento, porque não adianta publicar um livro e deixá-lo morrer no catálogo. Utilizamos nossos canais de comunicação para seguir divulgando essas obras, fazemos leituras em Saraus, convidamos pessoas para resenhar os livros etc.
Ao longo do ano de 2015, ainda pela editora Medita, foram publicados 7 livros que compõe a coleção Galo Branco, fale um pouco sobre essa coleção e sobre autores envolvidos.
A ideia da Coleção Galo Branco nasceu em um pequeno alambique artesanal na cidade de Socorro, interior de São Paulo. Aliás, diga-se de passagem, o nome da coleção tem o próprio nome da cachaça. A ideia era dar voz ao interior paulista, pois sabemos que muito do que acontece no circuito literário acaba restrito às grandes capitas — o que pode passar a falsa ideia de que o interior é estéril, que não há produção no interior. Pelo contrário: muita poesia é produzida no meio dessas estradas de terra, por esses rincões escondidos no nada, nos botecos das zonas rurais, nas praças centrais das pequenas cidades. Refiro-me aos eventos literários principalmente. Com esse mote, enviamos um projeto para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo cuja proposta era a publicação de 7 autores(as) do interior, a execução de lançamentos e Saraus. Fomos contemplados com o prêmio no valor de R$ 50.000,00 através do PROAC 034/2014 — projeto que foi executado ao longo do ano de 2015. Fizemos ao todo 14 eventos (10 lançamentos individuais e 4 coletivos). Além disso, por se tratar de um financiamento público, decidimos que os livros deveriam serem vendidos a preços populares, pois acreditamos, ainda que não seja o único fator, que os atuais preços aplicados nos livros são também uma barreira para o acesso à literatura em nosso país. Infelizmente, não podemos aplicar esses preços nos livros que não possuem fomento, pois somos uma pequena editora, que imprime tiragens de 70 a 150 cópias apenas, portanto nossos custos são altos, principalmente no que tange à impressão do livro.
De qualquer modo, voltando a Galo Branco, a coleção com os sete livros, hoje, é vendida completa ao preço módico de R$ 30,00. Caso alguém queira saber mais sobre os autores(as) escolhidos e obter mais informações sobre esse projeto, deixo aqui alguns links:
Blog: https://colecaogalobranco.wordpress.com/
Fanpage: https://www.facebook.com/galobrancoeditoramedita/
Para adquirir a Coleção Galo Branco: http://www.editoramedita.com.br/#!galobranco/c1d3e
Quais suas estratégias para conseguir vender seus livros? Você utiliza algum meio específico, quais suas experiências nesse campo?
Além dos tradicionais meios online, como Facebook e o site, garimpamos os eventos alternativos de feiras, exposições e saraus e traçamos um roteiro. Nesses eventos realizamos a venda de nossos materiais. No ano passado participamos de alguns eventos, tal como a feira “Loki Bicho”, que antes ocorria no minhocão, em São Paulo, e agora está no vale do Anhangabaú; a “Feira Plana” e o “Encontro literário de Bragança Paulista”. Vendemos livros em praças, na frente de bares, em shows. Montamos uma banquinha e espalhamos os nossos livros, qualquer espaço nos serve. É preciso fugir do óbvio, do convencional, pensar no livro com um animal de tocaia pronto pra dar o bote. Nada melhor do que esses espaços em que ninguém espera ver um livro. Também contamos com a ajuda de nossos autores(as). Embora não selecionemos os originais pensando no seu retorno financeiro e sim no seu valor simbólico, aprendemos com a experiência que, quando há engajamento do autor(a) para divulgar sua obra, os resultados na venda são muito mais visíveis. Esforçamos-nos ao máximo para que os livros circulem, mas, sem dúvida, os autores são diferenciais nesse processo.
Na sua opinião, qual o papel das pequenas editoras e o que elas trazem de novidade para o cenário literário contemporâneo?
As pequenas trazem a diversidade. Elas têm mais compromisso com a literatura e menos com a produção de Best-Sellers. Quero dizer com isso que, pelo que vejo por aí, essas editoras estão mais preocupadas com a qualidade de seus livros, e falo aqui tanto do conteúdo quanto da forma.
Quais as pretensões de um editor independente em um país tão extenso como o Brasil?
É uma pergunta difícil, mas creio que nossa pretensão é sermos agentes de uma história que ainda está sendo constituída, fomentando a literatura para que um dia tenhamos um país com mais leitores, com mais sensibilidade, com relações menos mercadológicas e mais humanas.
Você é um dos editores da revista literária/artes visuais euOnça, fale um pouco sobre a revista e suas movimentações.
A ideia da revista surgiu em 2013. A euOnça é um espaço para a produção contemporânea literária e de artes visuais da editora. É o espaço onde ideias e materiais são trocados.
Além disso, a revista sempre conta com algumas traduções inéditas, agora estamos trabalhando o 4º número da revista, que deve ser publicada muito brevemente. Com três números já publicados, conhecemos, por meio da revista, muitos poetas e artistas visuais, inclusive de fora do Brasil, por isso a considero como um lugar de promover o encontro, o diálogo, de erguer pontes. Trazemos como o mote a antropofagia: esse devorar do outro que nos leva para além do que somos. Tratamos a revista como um grande banquete, onde cada poema ao mesmo tempo provoca a fome e nos sacia.
Reproduzo aqui trecho da orelha do primeiro volume, de autoria de Hans Stade, que diz muito sobre esse projeto:
Cunhambebe tinha uma grande cesta cheia de carne humana diante de si e estava a comer uma perna, que elle fez chegar perto de minha bocca, perguntando se eu tambem queria comer. Respondi que sómente um animal irracional devora a outro, como podia então um homem devorar a outro homem? Cravou então os dentes na carne e disse: "Jau ware sche" que quer dizer: "euOnça, está gostoso!" Com isto, retirei-me de sua presença.
O primeiro número da euOnça contou com escritores contemporâneos, ilustradores e algumas traduções inéditas. Muitos desses artistas fazem parte de nosso convívio e compartilham conosco o ardor irresistível pela vida. Alguns já possuem livros publicados e estão no nosso catálogo, alguns estão em fase de publicação e outros quebraram a solidão fria das gavetas e decidiram sair da mata, assim como uma onça que ataca vilas, comunidades e cidades.
Os outros números — 2 e 3 — acolheu autores outros, que nem conhecíamos e hoje também são de nosso convívio, pelo menos no meio virtual. Ou seja, nosso horizonte, a cada número, se amplia, e isso é muito rico e satisfatório.
Como você observa, nesse momento, a construção de um certo cenário de feiras de publicações independentes se espalhando pelo Brasil?
Vejo isso muito positivamente. Esse cenário é justamente a resposta ao mercado tradicional de venda de livros, onde as pequenas e médias editoras são exploradas. É um cenário muito propício para nos darmos a conhecer, para nos aproximarmos do público leitor.
O calcanhar de Aquiles da produção independente é a distribuição de seus produtos. Na sua opinião, como isso pode ser resolvido?
Fugimos das grandes livrarias e das empresas de distribuição, pois a porcentagem cobrada sobre o preço de capa inviabiliza a exposição de nossos livros nesses espaços. Achamos que essa é uma política muito prejudicial para a circulação de livros no país, principalmente para as pequenas editoras. Lutamos contra essa lógica do lucro e da exploração, pressupostos do sistema capitalista. Creio que isso pode ser resolvido se pressionarmos o setor e com uma legislação que regule essa prática, colocando limites no que as distribuidoras podem cobrar.
No momento, qual é o seu principal projeto enquanto editor/editora?
Recentemente (março/2016), realizamos uma chamada para a publicação de novos originais pela Editora Urutau e recebemos cerca de 150 trabalhos. Estamos selecionando ainda, mas já temos alguns livros em andamento vindos através dessa chamada. Como recebemos originais do Brasil todo, estamos criando um mapa de lançamentos. Por enquanto, já estamos programando lançamentos em Minas Gerais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santa Catarina. A chamada foi feita nos moldes da política da Editora Urutau: os autores não pagam pela publicação, que é custeada pela própria editora. Além disso, recebem como contrapartida 5% do valor da tiragem em livros e mais 10% do valor da venda no site sobre o preço de capa.