Doenças de leitores
Sim, leitores em estado avançado, com o tempo, adquirem enfermidades, são acometidos por toda espécie de sintomas. Não são doenças facilmente reconhecíveis, algumas são misteriosas e ficam anos e anos bem sorrateiras no organismo. Algumas atuam sozinhas, outras, numa cooperativa. Vamos identificar algumas:
Levralgia – Inflamação do estado imaginativo. Detectou-se em idade tenra, sobretudo com leitores de Switt, Verne e Voltaire. Os acometidos tendem para o gigantismo ou o extremamente minúsculo, e a percepção da realidade sofre uma influência associativa: tudo o que é casual pode sofrer a quebra ou a ruptura das linhas lógicas. Pupilas se dilatam por dentro, olhos se tornam vagos; ocasionalmente se tem febre. A sintaxe pode ser afetada.
Noosgmatismo – Distúrbio do limite da verossimilhança do personagem. A sensação de que o mesmo pode ser o nosso vizinho, o noivo, o funcionário do cartório. A leitura de romances policiais clássicos acentua mais ainda os neurotransmissores responsáveis pelos indícios de que tem gente no mundo que é refugiada de romance, que tenta levar uma vida normal longe do jugo do autor. Leitores de Rex Stout e Simenon acham que você tem culpa no cartório.
Hipoconletrismo -– Obsessão que equipara a saúde dos livros à própria saúde. O doente faz inúmeras inspeções à biblioteca pessoal e começa a ver, sentir, intuir que os livros se deterioram, que o bolor já tomou conta, que manchas e marcas de gordura tomam conta da coleção de obras russas, que as poeiras imaginárias danificaram Cervantes, que a umidade atraiu os fungos; em paralelo, o leitor também deteriora, mesmo com assertivas de outrem (patroa, diarista, etc) de que tudo está na mais perfeita assepsia.
Mal de Luft – Alergia intrínseca a histórias que não contribuem para um aperfeiçoamento humano através de lições edificantes. Dependendo da tiragem, também conhecida como Síndrome de Cury.
Seboísmo – Alguns estudos inconclusos tentam provar que uma característica de imunidade ao fungo tende a agravar este quadro de horror à organização. O acúmulo de livros entocados em caixas, torres de HQs, enciclopédias com caruncho e uma disfunção ordenativa misturando gêneros e autores e em condições de péssimo armazenamento tornam o seboísmo uma provável doença contagiosa a todos os que rodeiam o seboísta, levando a atitudes de venda às ocultas dos mesmos livros para centros de maior contaminação.
Bibliocese – Estado de apatia por altas taxas de livros emprestados sem garantia de volta levando a um quadro de psicose ou paranoia com sintomas de indiretas ou gafes para os que possuem o livro adquirido.
Ediotite – Mania de inserir linhas imaginárias de enredo entre as mudanças de percurso dos personagens. Preenchimento de lacunas no decorrer da história para compensar falhas da concepção de que a vida imita a vida, não a arte.
André Ricardo Aguiar Escritor paraibano. Publicou A idade das chuvas (Editora Patuá) e Chá de sumiço e outros poemas assombrados (Autêntica).