18 de maio de 2016

A poesia de Lucas Rolim

Lucas Rolim compartilha desde 1995 das alucinações e delírios solares na província perdida de Teresina, onde nasceu e reside. Estuda Letras Inglês na Universidade Federal do Piauí. Tem publicado seus textos em fanzines como os da série “Tetrapoema[s]” e o atual “No Panorama do Tempo o Menino se Alarga”, bem como na revista Mallarmagens e no blog A Musa Esquecida. 

 

 

confessionário do kaos

um ou dois meninos
carregam o peso
dos Indecisos.

a grande fábrica suicida
distribui ansiedades pela rua.

[eu preciso acordar deste sonho apressado.
diminuir o ritmo dos tambores do céu.
afogar-me de vez numa nuvem, encher de pássaros
o velho pulmão, rachar meu esqueleto e
reparti-lo entre os estudantes de medicina.]

a loucura boia sobre o corpo febril,
o cais adormece com o sol distante.

deito-me sobre a dúvida
e amanso o delírio
com a intimidade da voz.

 

*

 

the end ou in memorian

sons de tiro abafam este pássaro.
a queda sem recomeços, sem avanços
detona os casulos de um poema.

o som de um pássaro: esta degola:
retinas líquidas gotejam no chão.

tudo aponta
em tudo
as pontas cegas,

enroladas
no mutirão
do meio-dia,

soterradas
sob um presságio
de concreto.

um bioma de delírios é abortado
no movimento de tratores cruéis.

seiva e resina: a poética ancestral
sufoca sob a muralha de poeira.

(botas de plástico, o limiar da vida)

meus pés vacilam sobre a planície:
as vitórias do metal, nudez das raízes

 

 *

 

corporal

existem os braços e existem os lábios,
procurando na pele a memória perdida
pelos fotogramas.

existem os lábios alisando o desejo
e existem os olhos amansando os lábios.

existe o corpo triste e um corpo escondido
observando de longe o design solar,

imóvel detalhe entre a pressa e a distância;
imóvel ser confuso entre dedos cansados.

existe o tédio pela astrologia
e a dança dentro das nossas bocas.
uma transformação de tigres em anjos sonoros
e pássaros decaídos em crianças de bronze.

existe esta demanda cega por alguma coisa
que não sabemos dizer sem o uso do poema.

existe a mão ociosa dançando entre os gestos,
procurando no vazio a solidão de outro membro.