Entrevista com Bruno Azevedo | Ed. Pitomba
Desde 2009, a Pitomba Livros e Discos vem se fazendo uma editora fora do eixo na cidade de São Luís/MA. Capitaneada por Bruno Azevedo, uma figura singular, que compõe seu universo a partir de ficção cientifica, histórias de cowboys gays, ostras, sons graves e vende livros em uma banquinha, daquelas usadas para vender bombons e cigarros pelas calçadas de toda e qualquer cidade do Brasil. Além de editor, o Bruno também é escritor e baixista em algumas bandas e projetos musicais.
A Pitomba não figura como uma editora de catálogo vasto, mas cada título é muito bem escolhido e editado, com o cuidado de quem sabe o que é ter um bom livro em mãos. Com um catálogo variado, a Pitomba tem publicações que vão da poesia, passando pela prosa, o ensaio, a pesquisa sobre música e HQ's. Cada livro é tratado com um cuidado especial, capas bonitas e projetos gráficos primorosos. São de editoras como essa que vêm surgindo as principais novidades do mercado editorial.
Ao longo dessa entrevista, o Bruno Azevedo apresenta o seu modo de ver a produção e a circulação do livro independente, e nos ajuda a compreender melhor o campo editorial fora do grande mercado. Desse modo, entre uma ideia e outra, uma cerveja e outra, a Pitomba inventa seus caminhos com os aprendizados do underground e o fortalecimento da experiência do faça você mesmo.
Quais seus caminhos para produzir e fazer seus livros circulares?
Bem, a Pitomba! livros e discos é uma editora de um homem só, então todo o caminho de produção e circulação passa por mim. A começar pelo catálogo composto por um critério totalmente afetivo e meio kamikaze. Comecei a editar por não conseguir ser editado e fui aprendendo a fazer fazendo meus próprios livros. Só depois de uns 3 ou 4 meus comecei a me aventurar nos alheios.
A edição em si depende muito do livro, às vezes envolvo um designer que pode pensar o objeto -- fetiche -- melhor que eu ou o autor. O processo todo ainda é muito parecido com o dos zines que fazíamos nos anos 90, tentativa e erro, recorte e colagem, roubo e roubo, desvio e distribuição direta. Hoje, a internet estreita alguns caminhos, e alonga outros. Até o ano de 2014, ainda distribuíamos em livrarias, por consignação, mas isso é cada vez mais uma roubada. Hoje a editora trabalha só com venda direta em eventos – numa barraca de camelô feita pra isso – e na loja virtual, em www.pitomba.iluria.com
Como você chega até os autores, ou são eles que chegam até você?
Até agora eu cheguei até os autores. Quando comecei a editora já sabia de uns 10 livros que eu queria editar, e ainda estou nessa onda. Me interessa muito a produção local, e essa produção não tinha por conde escoar.
Como você observa o papel do editor como um mediador?
Considero importantíssima. O editor é justamente esse cara que sanciona e legítima a obra, o trabalho dele é perceber os melhores caminhos para um livro encontrar seu leitor. A horizontalização da produção hoje é muito positiva, porque os autores podem prescindir da figura do editor e se lançar por conta. Isso não inviabiliza a função do editor, porque o bom editor também tem uma assinatura no que publica, pensa pra além da obra individual.
Quais são suas estratégias para conseguir vender seus livros? Você utiliza algum meio específico, quais suas experiências nesse campo?
Vendo muito pela internet, facebook e pela loja virtual. As livrarias são uma máfia escrota: os caras pedem 50% do preço de capa por consignação, não avisam se o material vendeu e, quando vendem, é uma zanga pra acertar. Definitivamente, não vale a pena para operações pequenas como a minha. Parei totalmente com as livrarias que não compram o material (ninguém precisa efetivamente vender um material consignado, porque não tem risco algum na transação, vendendo ou não o livreiro tá tranquilo, quem precisa mesmo vender é o editor/autor). Também tenho trabalhado com a Beleléu, editora do Rio com a qual já editei dois livros (o terceiro sai agora em fevereiro), além do trabalho dos caras ser excepcional, eles conseguem fazer com que os livros cheguem onde eu não consigo e tenho entendido cada vez mais que a opção mais interessante pra editoras pequenas pode ser um esquema de rede, como essa que a gente começou. O gargalo mesmo está na impessoalização da produção e do escoamento: como fazer chegar, e fazer vender, os livros a pessoas que não nos conhecem pessoalmente? As livrarias até conseguiriam fazer isso, mas cobram de volta, no mínimo, um pouquinho de cu.
Qual a sua relação (editor/editora) com as redes sociais e as diversas possibilidades do mundo virtual? Você explora de que forma esse campo?
Exploro bastante. Os meios físicos são presenciais e de difícil acesso. Resenhas em grandes jornais geralmente só para grandes editores e, nesse sentido, a internet é uma “democratização”. Uso bastante o facebook, e a loja da editora.
Na sua opinião, qual o papel das pequenas editoras e o que elas trazem de novidade para o cenário literário contemporâneo?
Acho que as pequenas editoras são as que trazem novidades para o cenário literário, porque novidade é risco, e risco o mercado hegemônico não corre.
Comenta um pouco sobre os projetos gráficos dos livros da Pitomba. Sei que cada um tem uma história singular.
Geralmente, eu mesmo faço os projetos e a concepção dos livros. Pra cada um contrato um designer de capas, pelo menos, pra executar ou criar em cima dessa concepção. Como cada livro é um universo, o projeto precisa refletir o que o livro é. A “Intrusa” é um livro de bolso composto em Times porque os romances que ele emula são assim, mas o “Baratão 66” foi impresso em roxo pra emular um mimeógrafo. Em “Um Livro de Crítica”, reedição de um trabalho do século XIX, usamos um tipo que reconstrói os tipos dos 1800, e o projeto usa frisos retirados da edição original e de jornais da época. Montei um almanaque a partir dos almanaques do século XIX, ilustrado com ícones de anúncios de jornal. Tudo isso reveste a edição com o contexto de seu lançamento original, coisa que faremos também com a reedição de "O Mistério", romance policial dos anos 1920.
Como você observa, nesse momento, a construção de cenário de feiras de publicações independentes se espalhando pelo Brasil?
Acho que é o mais fofo que tá rolando! É onde muita coisa massa tem circulado, criando um espaço autônomo e mostrando a força dos pequenos editores.
Na sua concepção, o que significa ser INDEPENDENTE no circuito editorial contemporâneo?
Pra mim, a independência tá relacionada a uma espécie de artesanato e a um alinhamento problemático com o liberalismo. Há independentes que agem por não conseguir depender -- ou seja, entrar no mercado formal -- e há outros que não consideram a possibilidade de fazer parte. Há ainda uma terceira via, que pra mim é a mais problemática, que é uma independência falaciosa, por alardear uma independência do mercado escondendo outra do estado. No meu caso, interessa bastante o mercado, desde que o mercado compre o que tenho pra vender, mas não interessa o estado, porque nossos esquemas de fomento – a palavra em si já é escrota – só serve pra deixar gente rica mais rica, e pra operar com a literatura algo não muito diferente do que as demandas de grande mercado fazem; a demanda de mercado vira a demanda de edital, o profissional do mercado vira o profissional do edital, e meu trabalho passa a se adequar àquilo que o estado pede pra me dar dinheiro. Claro que isso é uma concepção puta romântica, mas não passei anos ouvindo Adelino Nascimento de graça.
Hoje, qual o principal projeto da Pitomba?
Estou sempre trabalhando em pelo menos meia dúzia de livros. Os próximos lançamentos serão o projeto “Chorografia do Maranhão”, o livro “Da Terra das Primaveras à Ilha do Amor” (reedição do livro do antropólogo Carlos Benedito Rodrigues da Silva), o novo da Jorgeana Braga, a publicação da série em 6 volumes do “Siga os Sinais na Brasa Longa da Haxixe” do Reuben da Rocha e o lançamento de dois meus: "Ostreiros" e "Corno, Assassino, Prisioneiro e Viado", sequência do meu livro Breganejo Blues