Os papéis e o jogo
Henry James (1843 – 1916), autor do célebre romance "A volta do parafuso", escreveu muito durante sua trajetória, tendo sido indicado para o Nobel de Literatura três vezes. Porém, a complexidade se afrouxa em muitos de seus trabalhos, tidos como "comerciais".
Não é o caso de "Os papéis de Aspern", novela cujo enredo se passa na rica Veneza da época. Não por acaso, Veneza é a cidade dos amantes. "Os papéis de Aspern" tem ainda uma gota de tinta romântica, com sua contemplação e alguns chavões. Mas, aqui, diferentemente de outras novelas, com as quais cumpria prazos para editores, mostra todo o seu potencial para pintar um ambiente, fazer entrever pensamentos de personagens etc., até mesmo fazendo uma mulher viver 150 de pura avareza. É um livro sobre o Belo, sim, mas é extremamente sarcástico, de forma ainda mais discreta.
O enredo é contado por um narrador em primeira pessoa que é o protagonista da história. Editor, procura alguns documentos -- eis os papéis de Aspern -- mas sequer tem certeza de que eles existam. Para descobrir, insinua-se como inquilino de Juliana, a velha que fora amante de Aspern, e sua sobrinha, com quem trava uma batalhão de sedução.
O conjunto formado por esses elementos resultam num todo belíssimo, e põem o leitor em suspensão: que papéis são aqueles? O editor interesseiro vai conseguir encontrá-lo?
Em certa passagem, o personagem-narrador acaba sendo vítima de uma visão terrificante, mas real, enquanto revista o quarto da velha. Curioso é notar que, em português, papel pode ser tanto um extrato de fibra para rascunhar(paper) quanto a aura mística de que os atores se revestem para transformarem-se em personagem (rule). Apenas levando isso mais adiante, faz todo o sentido dizer que "Os papéis de Aspern" é um jogo em que cada uma das três personagens principais se revezam no jogo que é ser detentor dos tais papéis.
A edição brasileira de "Os papéis de Aspern", lançada recentemente pela Editora Penalux, tem tradução do também escritor Chico Lopes e ilustrações belíssimas de Silvana de Quadros.
Vivian de Moraes é escritora.