“A máquina diferencial”
A Ficção Científica possui vários subgêneros. O mais famoso deles é o Cyberpunk com trama ambientada no Cyberespaço e constantemente rompendo a fronteira entre o real e o virtual. Mas existem outros punks. O que trago hoje, por exemplo, é um livro que ajuda a definir os conceitos do Steampunk. Nesse subgênero, o progresso científico foi alcançado após a Revolução Industrial Inglesa com o vapor (steam = vapor) sendo a principal fonte energética. Assim, o ambiente científico do cenário steampunk conta com máquinas voadoras e carros movidos a vapor, “computadores” para diversos fins que funcionam com cartões perfurados etc.
O livro
“A máquina diferencial” (Editora Aleph, 2015) é um livro ambicioso escrito pela dupla William Gibson e Bruce Sterling (o livro foi lançado em 1990, a primeira edição saiu no Brasil também pela Editora Aleph em 2012). Os dois autores são reconhecidos por seu trabalho que ajudou a traçar os conceitos no Cyberpunk; Gibson pelo Neuromancer (Trilogia do Sprawl) e Sterling pela antologia Mirrorshades. Com o campo do cyberpunk desenvolvido, o que eles fazem? Unem-se para levarem ao público a Inglaterra distorcida e utópica do ano de 1855.
O progresso científico do cenário foi conseguido graças à invenção da máquina diferencial ou apenas Máquina, uma complexa calculadora mecânica, programável como um computador e dotada de impressora, imaginado por Charles Babbage (personagem real). A invenção não entrou em funcionamento na História por conta de peças bastante avançadas e caras na época, mas no livro Babbage conseguiu êxito na invenção.
Esse progresso evoluiu a Inglaterra para uma espécie de tecnocracia, liderado pelo primeiro ministro, Lord Byron, outro personagem histórico. Ainda no panorâmico político, a influência inglesa aumenta: os portos do Japão são abertos pela Inglaterra e os Estados Unidos se dividem e guerreiam antes da própria Guerra Civil. Quanto aos antagonistas do livro, somos apresentados aos ludistas, um movimento operário que se opunha à industrialização e ao uso da Máquina de Babbage.
Os personagens
“A máquina diferencial” é composto por cinco histórias que se complementam por utilizarem em alguns casos os mesmos personagens e em outros as mesmas referências. De forma geral, contudo, cada história funciona como uma lente de aumento sobre determinado tema. Os personagens comuns à trama são Sybil Gerard, uma prostituta filha de um finado líder ludita, envolvida politicamente com representantes de Sam Houston, Presidente da República do Texas; Edward Mallory, paleontólogo que descobriu o brontossauro no Texas, e que tem a carreira ameaçada por criminosos e outro cientista invejoso; e Laurence Oliphant, um jornalista, diplomata e espião, que trabalha reunindo informações sobre a ameaça ludista e outros separatistas dentro da Inglaterra.
Com esses personagens embarcamos em Londres para conhecer a diplomacia inglesa e seus homens infiltrados, a agência de Antropometria Criminal, que tem o registro das medidas do corpo de cada cidadão inglês e trabalha no reconhecimento de suspeitos; os cinétropos, cinemas feitos com a tecnologia da Máquina; assim, invadimos o movimento ludista e seus ideais antiindustrialização, e sobretudo encaramos o Fedor, uma condição onde as águas do Tâmisa exalam a insuportável poluição da capital inglesa. Aliás, é durante a evacuação da cidade por conta do mal cheiro que grupos revolucionários criam atentados para tomar o poder dos cientistas (citado como um dos idealistas, Karl Marx é quem lidera o movimento socialista em Manhatan).
Conflitos, ameaças, lutas deflagradas em um ambiente vitoriano de cavalheiros e arrogância inglesa, esta é a trama de “A máquina diferencial”. Alie isto à precisão e ao rigor descritivo imposto pelos dois autores e facilmente a leitura o transportará para a Inglaterra vitoriana e seus círculos científicos. É por causa disso que “A máquina diferencial” é também a primeira grande obra de steampunk e serve como referência para novos e antigos leitores de Ficção Científica. É o tipo de livro que te deixa vidrado por um tempo, vale a leitura e a viagem.