9 de abril de 2016

Entrevista com Ana Rocha - Ed. Polvilho

A editora Polvilho começou suas atividades no ano de 2012, na cidade de Belo Horizonte. Inicialmente uma parceria entre Ana Rocha e Caio Otta, mas posteriormente, em 2015, o Caio Otta se desvinculou da editora. A editora tem como foco o trabalho autoral e a produção de livros com acabamento singular.

A Polvilho não tem muitos livros publicados, mas cada um de seus trabalhos tem projeto único e delicado: Camarão que Dorme (2012), Gnesis (2013), Jardim do seu Neca (2014) e Queloide (2016). Os livros são verdadeiros mimos, que nos faz pensar o objeto (suporte de leitura) em sua singularidade de objeto tátil que, inclusive, acrescenta sentido ao próprio texto e a experiência de leitura.

Além dos livros, a Polvilho desenvolve objetos/publicações que são desdobramentos dos próprios livros, que envolvem o trabalho com sementes, carimbos, adesivos, pôsteres. A editora ultrapassa o suporte do livro e se espalha pelo campo sensível e magnético que é a poesia das sensações.

 

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Demetrios Galvão – Na Polvilho, a autora e a editora se confundem. Como você desenvolve esses papéis? Comenta um pouco isso.

Ana Rocha – Acho que o hibridismo autor-editor, que caracteriza a Polvilho, também é coisa frequente em outras editoras independentes. Esses limites são tênues porque muitas delas foram concebida por artistas, que veem nesse tipo de publicação a chance de materializar processos criativos. Nos últimos tempos, a Polvilho tem sido o meio pelo qual tenho desenvolvido o meu trabalho autoral, em que as obras exigem um tipo de criação que deve ser entendido no seu sentido mais amplo, isto é, que inclui não apenas os modos e meios de produção, mas a publicação e a distribuição das obras.

queloide

 

D. G. – As publicações da Polvilho tem uma perspectiva artesanal, com edições limitadas, numeradas e utilizando suportes e formatos não convencionais. Como se dá o processo de criação da editora?

A. R. – São as características particulares de cada livro que definem todo o processo. Não tenho uma fórmula pronta. A cada livro é como se estivesse fazendo quase que tudo pela primeira vez. São novas demandas, novos desafios que eles próprios me impõem. Meu processo de criação é, portanto, uma espécie de experimentação lúdica, em que novas regras vão sendo estabelecidas a cada vez. Só para dar um exemplo, no caso do recém lançado QUELOIDE – Poemas Cicatricias, o alto-relevo seco na capa e contracapa aludem a cicatrizes. Para esse fim, os clichês foram prensados sobre um papel especial que sugere a textura da pele. Acompanha o livro um vidrinho contendo uma conserva de pimenta, chamada Curamágoa, produzida por um amigo meu aqui de Belo Horizonte, o Nicolas Bollini. Embora, de um modo geral, a feitura desses livros seja bastante artesanal e as tiragens pequenas, não são obras únicas, pelo que já se diferenciam das que eu produzia antes. Porém, posso garantir que o esmero na produção é o mesmo.

 

D. G. – Você acha que as publicações em pequenas tiragens e com projeto gráfico diferenciado é uma saída para o mercado do livro independente?

A. R. – Acho que sim. Mais do que uma saída, creio ser uma característica comum a maior parte das pequenas editoras. Representamos uma nova configuração editorial pautada pela produção autoral que, no mais das vezes, propõe obras que ampliam as possibilidades da forma livro. Somos uma nova modalidade editorial, vocacionada sobretudo para a experimentação gráfica, e acho que estamos produzindo publicações bem ricas nesse sentido. Experimentamos diferentes formatos, suportes, tipos de impressão, encadernação e acabamento. Destacaria aqui, entre muitos outros, os trabalhos da Pingado Press [SP], Pipoca Press [RJ], Aplicação [PE], e a recém-nascida Entrecampo [MG].

 

jardim do seu neca

 

D. G. – Quais suas estratégias para conseguir vender seus livros/publicações? Você utiliza algum meio específico, quais suas experiências nesse campo?

A. R. – Acredito que ainda somos carentes de uma rede efetiva de distribuição no meio independente. Atualmente nossa distribuição acontece principalmente durante as feiras, cujo calendário tem se fortalecido ano a ano no Brasil. Já organizamos diversas feiras em Belo Horizonte, e sempre que possível colocamos o pé na estrada: já estivemos em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, Recife. Esse ano iremos pela primeira vez para Florianópolis, participar da “Parque Gráfico”, e estamos na expectativa de ir para Salvador também, para “Taboão”, feira organizada pelos amigos da Sociedade da Prensa. As feiras são um importante catalisador, que viabilizam a apresentação da nossa produção para um grande número de pessoas, o contato direto com o leitor e, finalmente, a troca de ideias, técnicas e poéticas com outros editores. Mas procuro alcançar, também, leitores que não necessariamente frequentem as feiras de publicação independente. A ideia é buscar continuamente novos dispositivos de apresentação e distribuição dos trabalhos da Polvilho, cujas produções se encontram à venda, atualmente, em lugares que não se restringem às livrarias tradicionais, como, por exemplo, a Banca Tatuí, em São Paulo, iniciativa da Lote 42 e o UnderGUAJA, espaço recém-aberto em Belo Horizonte. Mas isso também varia de livro para livro. No caso do “combo” do Jardim do Seu Neca, além do livro propriamente dito, estão à venda na floricultura Amapá, em São Paulo, outros itens relacionados a ele, como cartaz, sementes, carimbos e sacola estampada. Há, ainda, o recurso da lojinha online da Polvilho, onde todos as obras estão disponíveis para venda. Tem épocas que isso funciona muito bem, mas há outras em que poucas vendas são efetivadas. Mas isso não importa, pois devagarinho estamos conquistando esse espaço no e-commerce.

 

D. G. – Qual a sua relação (editor/editora) com as redes sociais e as possibilidades do mundo virtual? Você explora de que forma esse campo?

A. R. – Além das vendas online, no site da Polvilho Edições os leitores encontram tudo sobre a editora. Lá estão disponíveis todos os detalhes da produção bem como os desdobramentos de cada publicação, ou seja, além de um passo a passo para aqueles que estiverem interessados em saber como foram feitas as impressões, encadernações acabamentos etc., também disponibilizamos o calendário de feiras e informações sobre os lançamentos. No Facebook e no Instagram normalmente são divulgados os projetos da editora bem como os de editoras parceiras. Afora isso, postamos as chamadas para as feiras, premiações etc.

 

D. G. – Quais as pretensões de um editor independente em um país tão extenso como o Brasil?

A. R. – Sem dúvida, minha pretensão é ampliar a distribuição das produções da Polvilho. Apesar de já termos circulado em diversos estados, participando de feiras e festivais, ainda estamos longe disso. Nesse sentido, as redes sociais ajudam na disseminação e a nossa lojinha virtual tem sido uma grande aliada. Vira e mexe aparecem pedidos que me surpreendem, inclusive de leitores de estados onde nunca estivemos. Isso é muito gratificante. Outro anseio é conseguir me sustentar financeiramente com a Polvilho. Nos últimos tempos, apesar de não ter perdido dinheiro, ainda estou longe de tê-la como a única fonte de renda. Normalmente, o sustento depende de outros projetos que executo para terceiros, como ilustrações para outras editoras, projeto gráfico de discos etc. Há momentos em que penso que esse dia nunca vai chegar, mas a esperança é a última que morre...

 

D. G. – Qual o seu principal projeto literário hoje?

A. R. – Como eu disse, lancei há pouquíssimo tempo QUELOIDE – poemas cicatriciais, meu primeiro livro de poesia e o quarto livro da Polvilho Edições. Estive envolvida com esse projeto durante os últimos tempos, mas agora, passada a correria do lançamento, já estou maturando e organizando algumas ideias, mas nada definido ainda.