9 de fevereiro de 2016

A luz nebulosa de Foed

 

Uma rápida olhada no índice já nos dá uma ideia do teor da poesia de Foed Castro Chamma. Aprendiz de Feiticeiro, O Mágico, Feiticeira, Transmutação dos Metais, O Bruxo, Arte Mágica, O Invisível. O poeta parece gostar do terreno da magia, da transfiguração, da alquimia, do sobrenatural.

O primeiro poema, que dá título ao volume, O Andarilho e a Aurora, nos dá uma ideia de que tipo de magia ou transfiguração Foed nos dá. Uma magia ou transfiguração que surge das palavras e da tentativa de com elas captar algo que está além delas, além da apreensão racional. O poema O Andarilho e a Aurora começa parecendo ser uma tentativa de simbolizar a imagem da sombra, metaforizando-a (a sombra não é corpo, mas vazio, a ansiedade é uma sombra sem contornos, toda trama é uma sombra, uma sombra é um pedra indevassável, no entanto é voz, a sombra é o belo, etc.). Pouco a pouco, a imagem da sombra que o poeta vai cercando se mostra hostil. Esquiva, foge de qualquer aproximação. Transmuta-se em outra imagem, a da ave fugitiva. Surge a fuga, a relutância da sombra em ser capturada (ave fugitiva, está nas mãos e foge, turva os próprios traços e some) É uma defesa, portanto, a fuga?, pergunta-se o poeta. Certamente. A sombra seduz e se esquiva. Atrai e afasta. Exibe-se e some.

Parte dos poemas de O Andarilho e a Aurora se coloca nesse espaço. Esse espaço em que se está perto o suficiente de um objeto para vê-lo, descrevê-lo, senti-lo, mas não se consegue plenamente apreendê-lo ou vertê-lo em palavras. Daí a ênfase da poesia de Foed recair sobre a imagem. As imagens são tentativas de se aproximar do objeto. Poesia analógica, tateante, simbolista? Não há como negar a vontade do poeta em simbolizar a matéria de sua poesia, dar significados, nem sempre claros, às suas imagens.

O crítico Assis Brasil coloca Foed como um poeta da ”tradição da imagem”. Complementa dizendo que este “é o recurso apropriado aos mistérios do mundo que tenta localizar e desvendar”. Observação justíssima. Ao terminar de ler um poema de Foed, somos colocados na beira do mistério. Uma poesia que quando parece conduzir-nos para um caminho mais claro, de definições mais precisas, desmorona sob as forças das imagens e dos símbolos, que não se deixam apreender integralmente.

Quem sabe se uma boa definição da poética de Foed não seja o ultimo verso de uma estrofe do poema “O invisível”, que vai assim:

 

Alcançar o oposto de mim mesmo
Rei sem reino destronado cetro
me percorre renego para ser
o que sou: sempre evasivo.

 

O que sou: sempre evasivo. Sempre em busca. Sempre tateante. Sempre criador de símbolos. Porta apenas entreaberta para o significado. Creio que diante da poesia de Foed, o leitor tem duas opções possíveis: ou a vê como profusão de imagens sem sentido, ou se permite mergulhar nelas e ser por elas conduzido. Pois a poesia de Foed, evasiva no melhor sentido, alia imagens ao pensamento para depois ultrapassá-lo. Busca o que está além dele, inapreensível. Resistente à clareza. Linguagem do mistério. As imagens criadas por Foed almejam dar concretude ao invisível, ou transfigurar o visível. Significação, ressignificação. Afinal, a sombra do primeiro poema é mera sombra? Ou alcança outras dimensões?

Enfatizar o aspecto imagético da poesia de Foed é só enfatizar o que há de mais evidente. Mas o leitor não deve reduzir sua poesia a isso. Há muito de técnica, sonoridade, ritmo, e até aproximações com as técnicas da vanguarda concretista, como no poema  41, de Ir a Ti, que usa um tipo de modulação ao gosto concretista:

LUCILUZ

LUCIFEL

LUCIMEL

LUZBELA

 

Ou o amor incrustado na estrofe do primeiro poema de Ir a Ti:

 

armar na grama
os ramos de amor
presos a terra

 

Em O Andarilho e a Aurora estão reunidos três livros de Foed Castro Chamma, escritos entre 1958 e 1967. Um livro esgotado. Foed faz uma poesia instigante, desafiadora, com mistérios a serem desvendados ou, quiçá, permanecerem insolúveis. Um poeta que mereceria edições mais facilmente acessíveis para permitirem leitores mais constantes.

 

Cahoni Chufalo, formado em Letras, com pós-graduação em crítica e curadoria de arte. Fez a curadoria das exposições Memória Imprensa, em Outro Preto e Figuras Recorrentes, em Novo Hamburgo. Mantêm o blog fiaposblog.wordpress.com