27 de janeiro de 2016

"Estranhos no paraíso"

Uma viagem sem volta ao desconhecido

“Estranhos no Paraíso” (Editora Draco, 2015) é o livro mais recente do autor Gerson Lodi-Ribeiro. O livro de Ficção Científica narra, em 2300, a viagem diplomática e científica da Pioneira, a primeira espaçonave destinada a uma expedição interestelar tripulada. A nave tem como meta a galáxia de Delta Pavonis, distante 19,9 anos luz da nossa.

O livro é escrito em primeira pessoa pela comandante da nave, Sylvia Chang, e conta as fases de preparação, viagem e exploração empreendidas pela Pioneira. Por conta disso, o autor é exímio em nos dar aos poucos as informações para decodificarmos o cenário e os personagens que nos são apresentados. Em pílulas, vermelhas ou azuis, como escolher, vamos descobrindo que os pavonianos (os habitantes da galáxia de Delta Pavonis), possuem tecnologia inferior à nossa e por isso demoraram 240 anos para responder uma mensagem de reconhecimento enviada pelos nossos astrônomos em 2015. Neste interstício a Terra transformou-se completamente.

Segundo a linha de realidade criada pelo autor, em 2043 o nosso planeta sofreu um Holocausto Termonuclear. Contudo, não se trata de distopias ou aquelas coisas batidas que a Indústria Cultural gosta de repetir. A visão de Gerson carrega inovação e poderia ser caracterizada como maquiavelista e otimista (se é que essas duas palavras podem coexistir em uma mesma sentença). A guerra atômica já era esperada e por conta disso centenas de citadelas foram erigidas ao redor do mundo. Essas cúpulas foram construídas pelos cientistas e tinham como propósito resguardar a elite mandatária dos países e alguns cidadãos “privilegiados”. Se você for um leitor experiente, talvez deva conhecer um enredo semelhante. Entretanto, o autor inova em justificar como apenas três citadelas sobreviveram ao holocausto. Dou-te tempo para pensar nas vitoriosas, leitor.

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Certamente deve ter imaginado que as citadelas sobreviventes são nos EUA ou outros países líderes em tecnologia e/ou qualidade de vida. Que nada. Gerson elenca entre as sobreviventes a Cidadela do Gelo, erguida pelos chineses na Antártida, a Cidadela do Grande Deserto Australiano e, a mais importante, a Cidadela da Floresta, erguida no Planalto Central brasileiro (“Um misto de Atenas e Roma do século I que reconstruiu e governou a Terra” pág.19).  Surpreso? Aí vem mais. E por qual motivo a nossa citadela sobreviveu e prosperou a ponto de reconstruir uma humanidade arrasada por bombas nucleares?

Porque quem comandava a Citadela da Floresta eram cientistas, não políticos. Com um soco no estômago na classe executiva à la Capitão Nascimento em Tropa de Elite 2, os cientistas tupiniquins deram um jeitinho para impedir que os políticos entrassem na citadela antes de as bombas nucleares atingirem o país. A justificativa utilizada pelos tecnocratas era a evidência de que a classe política catalisou a guerra nuclear e, uma vez no comando, iam expulsar os cientistas que contribuíram para o florescimento da citadela. Em um ato ímpar (aqui o maquiavelismo), os cientistas resolveram que mais importante que um burocrata é a continuação da espécie humana e, por isso, os fins justificam os meios e vice-versa. O otimismo é o êxito incontestável da façanha. A Citadela da Floresta foi a “viga-mestra” que reconstruiu a Terra.

A partir dessas informações preliminares, a narração de Sylvia entrecorta a viagem da Pioneira e o psicológico de sua tripulação. Antes de descermos ao solo de Jokerman, o segundo planeta do sistema de Delta Pavonis e que abriga vida, conhecemos a origem, os hobbys e o hexágono libidinoso que envolve os tripulantes (o clima sexual permanece nas entrelinhas do livro). Em seguida, descemos ao planeta com a comissão diplomática da Pioneira e constatamos que não há mais pavonianos habitando Jokerman (mundo composto por longínquos oceanos, um continente único lembrando Pangéia e ilhas distantes). Somente posso adiantar que os extraterrestres não entraram em curso nuclear como nós o fizemos, entretanto não contarei o motivo do extermínio deles, por ser uma ofensa à criatividade do autor e por não querer dar um spoiler que tirará parte do sabor de quem ler o livro.

Sem a comitiva alien aguardada, a tripulação da Pioneira trata de explorar o planeta em sua totalidade. E nesse ponto é notável o trabalho do autor em dar aos cientistas especialidades distintas e de explorá-las ao máximo. Com profundo conhecimento e minúcia, Gerson traça as descobertas do xenobiólogo Michael McFergusson e da médica Aline Juggersen nos ambientes de Jokerman e Sandman (terceiro planeta de Delta Pavonis, que também recebe a visita da nave e também abriga vida); o esforço da marciana Olympia Magnus e de Mário Sandriotti para reconstruírem a história e a linguagem dos planetas explorados; Farukh, o oficial-engenheiro, esforçando-se para compreender a incipiente tecnologia alien, etc. Talvez as palavras técnicas e a riqueza de detalhes dadas pelos personagens (coisa que persiste na obra) canse os olhos do leitor menos preparado, mas certamente dar outro tom às informações seria descaracterizar o diálogo dos cientistas que compõem a missão.

Após a visita da Pioneira nos dois planetas, Jokerman e depois Sandman, sem sucesso na busca de vida inteligente, a tripulação é enviada para estudar uma Descontinuidade Permeável (D.P.), um tipo de singularidade semelhante a um miniburaco negro, chamada de Molton I. Próxima ao horizonte de eventos, a Pioneira descobre destroços de uma nave alienígena. Qual não é a surpresa quando o xenobiólogo informa, após exames, que aqueles aliens advém da Terra. Mas, paradoxalmente, não da Terra como a conhecemos, mas de uma Terra que conservou a vida dos dinossauros e os evoluiu a ponto de eles empreenderem viagens extraplanetárias.

Gerson nos faz imaginar velociraptors astronautas conquistando outras galáxias (!!!!!). A imagem causa medo aos integrantes da Pioneira e, enquanto ainda estão pasmados com a descoberta e as dúvidas que isso instala, recebem um pulso da singularidade que os transporta para outra linha espaço-temporal com nova versão do nosso planeta.

Nessa outra Terra, chamada de Elysium, são os humanos que a habitam, entretanto o nome já denuncia que na verdade eles são semideuses. Imortais com domínio pleno da tecnologia e do DNA, os elysianos terramorfizaram os outros planetas e luas do nosso sistema solar e empreendem viagens com velocidade superior à da luz. Tal desenvolvimento pleno deixa os tripulantes da Pioneira desconfortáveis, pois embora fosse o mesmo planeta, não era o lar aguardado. Extraterrestres na própria Terra, o conflito para permanecer e aceitar tais mudanças impacta de forma diferente cada tripulante. O desfecho é outro ponto que suprimo.

Odisseia contada, “Estranhos no Paraíso” é um livro arraigado em Ficção Científica pura com algumas cenas de Space Opera que certamente agradará ao leitor veterano ou iniciante no gênero. Ao longo da história, Gerson Lodi-Ribeiro desenvolve uma perspectiva de futuro em todas as suas vertentes (o autor é detalhista por conta de sua mente de cientista) e narra o componente humano ganhando a galáxia para contactar outras formas de vida até se depararem no Elysium. Em adicional, talvez os seis personagens da Pioneira não sintetizem o carisma de uma delegação diplomática, mas temos que levar em conta que em se tratando de um cenário onde os cientistas é que são os mandantes globais, qualquer componente, seja humano ou robótico, carrega primordialmente a fleuma da disciplina.

Por fim, “Estranhos no Paraíso” é um livro ambicioso que entrega o que promete: “uma viagem sem volta ao desconhecido”. Com linguagem afiada e precisão de detalhes, o leitor pode acompanhar todos os desdobramentos da expedição da Pioneira. Se restar dúvidas, ao final do livro é possível consultar um apêndice com os registros científicos colhidos. Boa viagem! (Em português mesmo, pois é a língua do futuro.)