20 de janeiro de 2016

A poesia de Geraldo Lavigne

Geraldo Lavigne de Lemos é membro da Academia de Letras de Ilhéus, autor dos livros À Espera do Verão (2011), amenidades (2014) e alguma sinceridade (2014), todos de poesia e pela Editora Mondrongo.

 

cachoeira

louvo o curso deste rio
pela mensagem silente
de amar o inimigo

espumo palavras
entre meus dentes
: leito calado
e impotente

espero um dia
poder vomitar enchentes
como fez o rio em 67

 

*

 

um céu todo branco

um céu de nuvem
o sol por trás

a nuvem arde
a chuva cai

cai a chuva
como a luz que sai

chove luz e água

apenas vejo os pingos
diante dos meus olhos
– a claridade esconde os demais

 

*

 

pertencimento

o meu umbigo
foi enterrado
nas terras pretas do curral
no meio do mijo
e do esterco

os meus pés virgens
foram postos
nos atoleiros dos encharcados

as minhas mãos
foram dadas
ainda cedo
às coisas do campo

os meus braços
conheceram a tiririca
e as minhas pernas, o cansanção

contra minha pele
investiram muriçocas,
abelhas e marimbondos

fui içado
sobre o lombo do cavalo
e dele caí como aprendiz

de tudo guardo
a querida infância

quando chego aos caminhos
que conduzem a este solo
retorno para o meu peito
e habito o meu coração

não há lugar no mundo
que substitua
a lama
que consumiu o meu umbigo