A poesia de Lia Testa
A palavra é o nosso fogo. Nosso axé (Mãe Beata)
devir voz
V
há um devir mantra
um om poema
na voz 108 vezes desfiada
no rosário das nossas línguas vibrantes
o axé dos lábios
no ancestral corpo
vibra sussurrado
nos lóbulos auriculares
entoa a carne da poesia
na escrita que queima
devir voz
VI
& do sso sound
sons no devir fôlego
sopra o sopro sobre
o vento impetuoso
as lambidas de zéfiros
na dionisíaca festa
a nai acariciada
vibra na escala pentatônica
de par em par
zampoña com canas duras
a brindar o corpo
devir voz
VII
em riste as cornetas
do oboe d'amore
cantam acordes
em todos as embocaduras
de boca em boca
a cantadeira geme
a gaiteira em dó, ré, sol, lá, si ou si bemol
folga por toda a festança
devir voz
VIII
o aerofone buzina
delírio do ouver
ear hear op.I, op.II, op.VII, op.V
sonata duo
tá-tá-tá no stacato duplo,
rápidas passagens
de corpos tá-ca-tá-ca-tá-ca
vem cá na pegada auditiva whaa-whaa
fogo na membrana da boquilha
das dakikis
devir voz cage
“ e não há silêncio que não seja grávido de som”
John Cage
XIX
congar o gongo
no desbunde do corpo
onde um samurai-profeta
desfere golpes de palavras
notas de sinos e bigornas
nas ancas carnudas estrondos
rhythmos tal qual tala
no pé do poema
tambor-sílaba
batidas nas ondas da mão
tha ki ta tha ki ta
tha ki ta tha ki ta
tha ki ta tha ki ta
tha ki ta tha ki ta
no ponta pé da fala
cantos e silÊNCIOS
pontes sagradas
pontos riscados
lança o livro-oráculo
o jogo des.combinado
da sereia que morde o rabo
fazendo ruídos e sons
kundalinis e serpentes
melodia-de-timbres
bacanais de acústicos
acasos
Lia Testa gosta de palavras que mordam ou que mordem a si mesmas em ritos degustativos encantatórios. gosta de salivas que molham a linguagem numa fala erótica e de erotização. acredita que a poesia está em todos os espaços para recodificar o corpo-vida. tenta estabelecer/viver uma íntima relação (e de atravessamento) com a palavra e encontrar seu intenso e incessante tecido encoberto (palpável ou impalpável). talvez, tenha nascido para tentar performar as pedras quentes que caem/saem do fogaréu da língua. Além de produzir poesias e outras artes, é doutora em Comunicação e Semiótica e professora de Literatura Portuguesa, Brasileira e História da Arte da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Participa de algumas antologias poéticas e é autora do livro de poesia “guizos da carne” (Poesia menor, 2014).