27 de novembro de 2015

A poesia de Lia Testa

A palavra é o nosso fogo. Nosso axé (Mãe Beata)

devir voz

 

V

há um devir mantra

um om poema

na voz 108 vezes desfiada

no rosário das nossas línguas vibrantes

o axé dos lábios

no ancestral corpo

vibra sussurrado

nos lóbulos auriculares

entoa a carne da poesia

na escrita que queima

 

devir voz

 

VI                                                             

& do sso sound

sons no devir fôlego

sopra o sopro sobre

o vento impetuoso

as flautas de pan

as lambidas de zéfiros

na dionisíaca festa

a nai acariciada

vibra na escala pentatônica

de par em par

zampoña com canas duras

a brindar o corpo

devir voz

 

VII                                                             

em riste as cornetas

do oboe d'amore

cantam acordes

em todos as embocaduras

de boca em boca

a cantadeira geme

a gaiteira em dó, ré, sol, lá, si ou si bemol

folga por toda a festança

 

devir voz

 

VIII

o aerofone buzina

delírio do ouver

ear hear op.I, op.II, op.VII, op.V

sonata duo

tá-tá-tá no stacato duplo,

rápidas passagens

de corpos tá-ca-tá-ca-tá-ca

vem cá na pegada auditiva whaa-whaa

fogo na membrana da boquilha

das dakikis

 

devir voz cage

“ e não há silêncio que não seja grávido de som”

John Cage

 

XIX

congar o gongo

no desbunde do corpo

onde um samurai-profeta

desfere golpes de palavras

notas de sinos e bigornas

nas ancas carnudas estrondos

rhythmos tal qual tala

no pé do poema

tambor-sílaba

batidas nas ondas da mão

tha ki ta tha ki ta

tha ki ta tha ki ta

tha ki ta tha ki ta

tha ki ta tha ki ta

no ponta pé da fala

cantos e silÊNCIOS

pontes sagradas

pontos riscados

lança o livro-oráculo

o jogo des.combinado

da sereia que morde o rabo

fazendo ruídos e sons

kundalinis e serpentes

melodia-de-timbres

bacanais de acústicos

acasos

 

 

Lia Testa gosta de palavras que mordam ou que mordem a si mesmas em ritos degustativos encantatórios. gosta de salivas que molham a linguagem numa fala erótica e de erotização. acredita que a poesia está em todos os espaços para recodificar o corpo-vida. tenta estabelecer/viver uma íntima relação (e de atravessamento) com a palavra e encontrar seu intenso e incessante tecido encoberto (palpável ou impalpável). talvez, tenha nascido para tentar performar as pedras quentes que caem/saem do fogaréu da língua. Além de produzir poesias e outras artes, é doutora em Comunicação e Semiótica e professora de Literatura Portuguesa, Brasileira e História da Arte da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Participa de algumas antologias poéticas e é autora do livro de poesia “guizos da carne” (Poesia menor, 2014).