18 de novembro de 2015

A poesia de Philippe Wollney

Philippe Wollney é um poeta e pai de Nina.

Nascido na cidade de Goiana, Pernambuco, em 1987. Organiza intervenções artísticas, recitais, saraus, publicações e outros atentados poéticos.  Coordena o Coletivo Silêncio Interrompido e o Selo Porta Aberta.

Participou do Festival Internacional de Poesia do Recife em 2013.  Tem poemas publicados em “ARRUADA”, Philippe Wollney, ed. Castanha Mecânica, 2013; “Antologia poética Goiana Revisitada – Edições Silêncio Interrompido, 2012; Antologia poética “cem poetas sem livros” 2009; e nas revistas “Musa Rara” Agostos/2013 e “Modo de Usar & co.” Dezembro/2013, e outros publicados pelo selo Porta Aberta
[ http://issuu.com/poemasdeumeucretino ]

 

* * *

 

caosnavial i :

mascavo

“Ritmos de angústia e de protesto / estão ferindo os meus ouvidos!” Solano Trindade

 

 

cana

caiana

caiada

de sangue

 

nestes canaviais

seis milhões de negros

foram sorvidos

é impossível

esse café

não descer hh

amargo

 

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caosnavial ii :

habitantes do porto

 

“Essa dor que eu falo / não fala / foi calada a fio de espada” Cuti

  

sob essas águas há segredos terríveis

os que sabiam nadar afundam

chassis : bicicletas : revólveres : sofás

crianças : drogados : polícias : prostitutas

afundam

 

intocável leito morto

fragmentos de porcelana no peito de belzebu subaquático

satã usa gravata : maquinarias o canonizam como santo do açúcar

 

espanhóis : portugueses : holandeses : franceses : ingleses

bantos : congos : nagôs : cabindas : yorubás

tapuias : tabajara : kaeté : potiguara : tupinambá

esses são os atores de minha epopeia dos martírios

 

sonhos & suspiros de sangue e chantili

minha lira infecunda porém açucarada

não duvidem de meu açúcar

não duvidem do meu açúcar

quanto mais cavo mais fundo me acho

 

em meio a lama : canas : senzalas : engenhos fantasmas

igrejas : bares : bingos : supermercados : agências de trabalho

me empresta uma arma : uma buceta ou um baseado

para aliviar a minha dor!

para que eu possa sanar a minha dívida!

para eu aliviar a minha dor!

 

* * * 

 

 caosnavial iii :

nove dígitos

 

“o neoextrativismo trata-se de uma aposta nos hidrocarbonetos, na mineração e no alargamento dos latifúndios” Ieda Estergilda de Abreu

 

 

sou um canavial inteiro de tragédias

quantos algarismos possuem a cota de homicidas

& suicidas em potencial?

minha neurose : uma forte pulsão do não-lembrar!

 

quem pode resistir a este saara de sacarose?

 

tuaregues caboclos buscam o oásis nos bares

miragens de alvas famílias felizes aos domingos

nômades catadores de lixo eletrônico um misto

de cadáveres & caldeiras

& painéis de controle

traços do tronco tupi : paralíticos ancestrais

faquires pós-modernos invadem as ruas apanham da polícia

& em protesto praticam seppuku em frente a uma delegacia

velhos põem fogo nos próprios corpos na dignidade

dos que sobrevivem sem alopáticos

guilhotinas funcionam todos os domingos em altares foliados a ouro

&

contas bancárias de nove dígitos brindam

por mais uma família que se joga em alta maré

pelo barro manchado da chacina de ontem

pela morte lenta de mendigos

pelo estupro na casa de repouso feminino

pelo poeta que arrancou os olhos

& pelo novo empréstimo ao banco falido