A poesia de Philippe Wollney
Philippe Wollney é um poeta e pai de Nina.
Nascido na cidade de Goiana, Pernambuco, em 1987. Organiza intervenções artísticas, recitais, saraus, publicações e outros atentados poéticos. Coordena o Coletivo Silêncio Interrompido e o Selo Porta Aberta.
Participou do Festival Internacional de Poesia do Recife em 2013. Tem poemas publicados em “ARRUADA”, Philippe Wollney, ed. Castanha Mecânica, 2013; “Antologia poética Goiana Revisitada – Edições Silêncio Interrompido, 2012; Antologia poética “cem poetas sem livros” 2009; e nas revistas “Musa Rara” Agostos/2013 e “Modo de Usar & co.” Dezembro/2013, e outros publicados pelo selo Porta Aberta
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caosnavial i :
mascavo
“Ritmos de angústia e de protesto / estão ferindo os meus ouvidos!” Solano Trindade
cana
caiana
caiada
de sangue
nestes canaviais
seis milhões de negros
foram sorvidos
é impossível
esse café
não descer hh
amargo
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caosnavial ii :
habitantes do porto
“Essa dor que eu falo / não fala / foi calada a fio de espada” Cuti
sob essas águas há segredos terríveis
os que sabiam nadar afundam
chassis : bicicletas : revólveres : sofás
crianças : drogados : polícias : prostitutas
afundam
intocável leito morto
fragmentos de porcelana no peito de belzebu subaquático
satã usa gravata : maquinarias o canonizam como santo do açúcar
espanhóis : portugueses : holandeses : franceses : ingleses
bantos : congos : nagôs : cabindas : yorubás
tapuias : tabajara : kaeté : potiguara : tupinambá
esses são os atores de minha epopeia dos martírios
sonhos & suspiros de sangue e chantili
minha lira infecunda porém açucarada
não duvidem de meu açúcar
não duvidem do meu açúcar
quanto mais cavo mais fundo me acho
em meio a lama : canas : senzalas : engenhos fantasmas
igrejas : bares : bingos : supermercados : agências de trabalho
me empresta uma arma : uma buceta ou um baseado
para aliviar a minha dor!
para que eu possa sanar a minha dívida!
para eu aliviar a minha dor!
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caosnavial iii :
nove dígitos
“o neoextrativismo trata-se de uma aposta nos hidrocarbonetos, na mineração e no alargamento dos latifúndios” Ieda Estergilda de Abreu
sou um canavial inteiro de tragédias
quantos algarismos possuem a cota de homicidas
& suicidas em potencial?
minha neurose : uma forte pulsão do não-lembrar!
quem pode resistir a este saara de sacarose?
tuaregues caboclos buscam o oásis nos bares
miragens de alvas famílias felizes aos domingos
nômades catadores de lixo eletrônico um misto
de cadáveres & caldeiras
& painéis de controle
traços do tronco tupi : paralíticos ancestrais
faquires pós-modernos invadem as ruas apanham da polícia
& em protesto praticam seppuku em frente a uma delegacia
velhos põem fogo nos próprios corpos na dignidade
dos que sobrevivem sem alopáticos
guilhotinas funcionam todos os domingos em altares foliados a ouro
&
contas bancárias de nove dígitos brindam
por mais uma família que se joga em alta maré
pelo barro manchado da chacina de ontem
pela morte lenta de mendigos
pelo estupro na casa de repouso feminino
pelo poeta que arrancou os olhos
& pelo novo empréstimo ao banco falido