14 de setembro de 2015

O editor, um mercenário

O que se ouve, muitas vezes, é que o editor é um mercenário. Na verdade, quando ouço ou leio algum comentário como esse logo me tremo, uma impaciência toma conta do corpo, a respiração fica ofegante e a vontade que eu tenho, desculpem-me, é de rasgar o livro de autoria da pessoa que falou isso. Pois quem fala que o editor é um mercenário é, quase sempre, um autor.

Isso pode até ser verdade, mas um autor afirmar isso categoricamente, generalizadamente, porque sofreu algum problema com a edição do seu livro ou porque não se deu muito bem com sua editora ou, principalmente, algo que ocorre deveras vezes, porque não soube ouvir um não ou pedidos para que refizesse parte de sua obra ou que retirasse alguns excertos é, convenhamos, um despautério, para não falar outra coisa.

O editor, talvez fosse interessante se escrever com um E maiúsculo, que se preze e que pretende ter o seu trabalho reconhecido – apenas pelos que lhe conhecem e pelos autores que publica, porque esse é um ser quase invisível aos olhos dos leitores e do restante da sociedade – não é o tipo de profissional que se vende por dinheiro. Definitivamente não.

Aquele cara ou moça que vive a ler textos e mais textos e que sempre está predisposto a lhe dar um “tapa na cara”, apontando seus erros e mostrando o que não deveria estar presente no texto, por exemplo, acredite, faz isso por amor à literatura. Ao menos é essa a visão que tenho de um editor que esteja realmente preocupado e interessado em possibilitar bons livros, tanto no acabamento quanto no conteúdo, para os leitores, independente do gênero.

Mas podemos nos perguntar se são esses problemas que fazem um autor enrijecer o dedo e apontar aos berros, com grande ironia, que somos todos mercenários. Será que isso não ocorre também porque existem, e aqui temo em afirmar isso, mais editores mercenários do que editores que se preocupam com o que produzem?

Fato é que o número de editoras independentes ou editoras pequenas (elas nunca se decidem como se preferem chamar) que estão sendo abertas têm aumentado no Brasil. Fato é, também, que muitas dessas editoras nascem com o propósito de tentar publicar autores que, em vários casos, não possuem a oportunidade de tirar do próprio bolso o custeamento da publicação do seu livro. Apesar que são vários os autores que realizam a autopublicação, que está em alta já há algum tempo. Além disso, esses editores percebem, em alguns momentos, que em sua cidade há uma escassez medonha de eventos literários, de lançamentos de livros ou de qualquer encontro parecido com isso para falar sobre algo que muitas pessoas dizem amar: literatura.

Exemplo disso é Fortaleza, que até pouco tempo não possuía nenhuma editora independente em funcionamento. Apesar de terem existido um punhado de bravas editoras, elas não possuíam uma regularidade de publicação, ficando a depender, em demasia, de editais, que quase não existem mais e quando existem chegam a ser uma “vergonha alheia” – exemplo disso é o último edital do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, que além de não ajudar em nada, pois o valor a ser repassado ao autor chega a ser ridículo, ainda tem de se doar cerca de 40 exemplares da obra. A doação não é o problema. A questão é que ao final o autor praticamente doa o que recebe do edital.

Ainda assim, alguns coletivos continuaram e continuam a publicar obras com ou sem qualidade de acabamento, preocupando-se com o conteúdo (e convenhamos deveria ser assim). Mas sabemos que o que nos salta aos olhos nos salta também ao coração. Esses coletivos e as poucas, quase inexistentes editoras independentes existentes no Ceará, se propõem a publicar obras de autores que nunca possuíram a chance de ver o seu livro com um ótimo acabamento, uma boa divulgação, mesmo que sem uma distribuição possível. Porque o que, quase sempre, essas editoras desejam é dar força ao sistema literário existente. É propiciar encontros e conversas que possam possibilitar novos caminhos não apenas entre escritores, mas entre a literatura e a sociedade.

Deveria ser assim, sempre.

Mas o que vem acontecendo é que muitos editores perceberam que fazer livro dá dinheiro. É verdade. Por mais que se diga que é muito difícil lucrar com a publicação de livros (concordo com isso), parece que o ato de fazer livro vem gerando a existência maciça de algumas empresas, como o Clube de autores, talvez a empresa de autopublicação mais conhecida no país. Contudo, esses empresários-editores, geralmente, não são vistos como Editores. Isso ocorre porque “fazer” um livro não é apenas receber um texto e mandá-lo para as máquinas para que se transforme em um objeto de consumo. Não é apenas diagramar o texto, colocar o título do livro em uma fonte legalzinha, com uma imagem de fundo colorida – que costuma se repetir em excesso – e mandar imprimir nem que seja apenas 1 exemplar.

Editar é mais do que isso.

Para produzir um livro é necessário tempo e atenção. Tempo para que toda ação que for ser realizada possa ocorrer de maneira tranquila e com qualidade nos serviços que a rodeiam, atenção para que nada passe despercebido e que não possa ocorrer, em demasia, erros que podem pôr toda a produção por água abaixo.

Editar, alguns atrevidos dizem, é uma arte.

Eu não diria tanto, mas é uma espécie de amor que se tem com a literatura que muitas vezes não se vê em outras profissões. Alguns profissionais têm ciúmes, outros inveja, tantoutros possuem consigo a edição. Talvez seja isso, a edição é um sentimento. Não que eu queira colocar esse serviço, que tem em seu entorno o capital, como algo que é maravilhoso. Não. Mas não se pode negar que o brilho nos olhos dos editores que se propõem a fazer algo com qualidade – entenda-se a palavra aqui como algo que tem a preocupação com todo acabamento do livro – existe. E que o sorriso do editor ao ver que o livro ficou pronto da maneira que esperava e saber que vendeu, pois é isso que agrada ao autor, ou que está sendo um dos mais lidos pelos leitores de uma escola, um bairro, uma região, um país, é algo que deveria estar acima de uma simples frase frágil que antes de proferida deveria ser pensada. Não esqueçamos que sem a venda do livro nada existe.

Daí, ao invés de afirmarmos que o editor é um mercenário, poderíamos comparar a categoria desse profissional a todas as outras existentes e não julgar o balaio apenas por aqueles empresários que se dizem editores. Poderíamos, ao menos, tentar entender o que os editores de editoras independentes ou editoras pequenas estão fazendo, antes que qualquer sentimento de ódio possa invadir a sua alma, afinal a literatura se faz por amor.

 

*Esse texto foi originalmente escrito para ser veiculado no site Os Colunáveis