31 de agosto de 2015

A MACUNAÍMA DE SANTA RITA

No Romance “Julho é um Bom Mês para Morrer”, Roberto Menezes dá vida a uma anti-herói desiludida e apaixonada, prosa que vai do psicológico ao urbano regional.

Neste quinto livro de vida e o quarto somente de romance, Roberto Menezes dá voz a uma narradora sem palavras. Neste romance, a personagem principal, Laura, é uma filha da classe média baixa de João Pessoa. Incomunicável, bissexual, problemática. Sem chão, é a palavra certa. A narradora salta em “loops” entre aquilo que mexe com ela no exterior e no interior, em um duplo movimento que, dentro do próprio romance, pode ser comparado ao movimento das estrelas, de implosão e explosão, para crescer e iluminar, expandir e quantificar. Exatamente como é descrito no livro, mas há mais. Muito mais.

O romance Julho é um bom mês para morrer é uma triste ironia com a vida de quem se perdeu ali pelos anos 90. O livro é escrito com o recurso do discurso indireto livre e da oralidade que é a voz da protagonista deste romance, em uma rara demonstração, em terras paraibanas, de domínio de um estilo que mistura a prosa psicológica intensa, frenética e urbana com toques do coloquial e do regional, nas metáforas, nos ambientes e na vida corrida de uma jovem universitária sem tantas perspectivas na vida a não ser se drogar, expandir os próprios horizontes sensoriais e a si mesma em um duro processo de aceitação de si.

Julho (e permitam-me aqui esta intimidade, pois ele foi feito para isso) é um romance psicológico e regional, urbano e interior, mapeado e sem qualquer direção a não ser o ritmo do coração de Laura. Por isso, talvez, a inovação, o experimentalismo e as escolhas do autor para que este não seja mais um romance citadino sem revelar a voz interior de suas personagens fosse tão importante, uma vez que raramente um “môfi” (expressão usada na Paraíba pelo jornalismo policial para tipificar os meninos e meninas de condutas não tão ilibadas) vai ter sua vez e sua voz em um romance ambientado em João Pessoa, na periferia, na virada dos 90 para os anos 2000, dando voz a uma geração de ilusões perdidas, de desemprego crescente e de inflação coagida. Laura, uma voz feminina única e que se eleva para além das outras, é a última de uma geração que foi enganada pelas promessas maravilhosas que garantiam um diploma universitário, mas por não saber muito bem como são as coisas da vida, entrega-se em uma longa viagem de redenção. Assim morrem os nossos anti-heróis, e Laura é a Macunaíma de um kit net em Santa Rita.

Laura é um anti-herói dos subúrbios de João Pessoa. E com toda a sua quase urgência de anti-heroismo ela se entrega de braços dados a uma vida interior sem rédeas pelos terminais de integração do Cristo, pelo ônibus de Santa Rita a João Pessoa, pela praça da UFPB, pelo apartamento nos Bancários. A voz de Laura é um môfi com a tarja preta lhe cobrindo os olhos quando, por trás das telas, dos apresentadores, das tarjas e horários nobres, somos impedidos de ver que, à despeito de tudo na vida, é preciso também saber chorar.

Pesa em favor e contra, muitas vezes, o valor precioso das metáforas usadas pelo escritor. Com o brilho de um esteta, guardados alguns exageros, Roberto Menezes define a solidão como um “caminhoneiro confessando pra si mesmo seus pecados na escuridão da BR duzentos e trinta”. Sobre a própria Laura, “uma gota d’água se descobre bailarina quando cai na chapa quente?”.

Ao fim, fica a boa impressão sobre este novo romance de Beto acerca de um olhar mais sensível voltado para a realidade de uma literatura feita na Paraíba. Como ambos somos ex-integrantes do núcleo literário Caixa Baixa, fica a impressão de que poucos de nós sabemos usar o recurso da oralidade para ouvir e falar a voz das ruas, de personagens reais em situações reais na João Pessoa de entre os anos de 1990 e 2015. Fica a impressão, principalmente, de que todos buscamos uma voz única na literatura que não nos separe do contexto no qual vivemos. E para todos os efeitos, fica a impressão de que a gente tenta, mas somente Laura, “bicha doida”, consegue.

João Matias de Oliveira é Escritor e editor da Revista Blecaute.