22 de julho de 2015

Os largados, de Michele Serra

 

Se um romance contasse a história de uma guerra entre velhos e jovens, mostrando o que levou a humanidade a se dividir por conta da idade, teríamos mais do que evidente a diferença entre as gerações. Questionamentos morais, éticos e alguns problemas existências poderiam ser trazidos à tona. Seria possível entendermos como a impossibilidade de respeito, existente hoje, entre os indivíduos poderia ter contribuído para esta guerra.oslargados

Nesta história, provavelmente, teríamos alguma trama familiar ou algum grupo de pessoas que fariam um percurso desafiador com um objetivo de mostrar uma moral ou teríamos um herói solitário que tivesse o futuro da humanidade em suas mãos, sendo assim o salvador. Com certeza, também, teríamos traidores, como os há em quase todas histórias de guerra. Esse romance poderia, ainda, levar o nome de A Grande Guerra Final, o que não seria um mal título, mas teria que ser escrito durante muito tempo para que o título pudesse realmente fazer jus ao livro. Poderia ser tudo isso, se o narrador de Os largados tivesse ousado publicar a história da grande guerra, que seria um marco na história da literatura, ao invés de contar a relação existente entre pai e filho.

Tal relação já é apresentado ao leitor de maneira conturbada, quando na primeira frase do livro:

“Mas onde está você, cacete?”

Podemos entender um pouco de como se dá a relação entre ele e seu filho. No decorrer da narrativa, praticamente um monólogo interior, é possível evidenciar de que maneira um sentimento tão profundo como a solidão pode se fazer presente tão forte entre duas pessoas que deveriam ser tão próximas, por morarem juntos e por serem do mesmo sangue.

O que nos fica em desconhecido é o que fez com que a relação chegasse a tal ponto, o que fica a nosso critério em vista do contexto. Há uma passagem em que o pai relata sobre o amor natural que deveria existir entre pais e filhos, e que evidencia de que maneira acabamos por lidar com este amor quando nossos filhos são menores, e de que maneira passamos a enxerga-los quando passam a ser um semelhante. Parece que ele não vê o momento de que seu filho se torne um e possa assim se prestar a ‘utilizar’ das virtudes que possui:

O amor natural que a gente dedica aos filhos pequenos não é um mérito. Não exige capacidades que não sejam instintivas. Até um idiota ou um cínico é capaz disso. A cadela primípara é de todo inexperiente, mas abre com os dentes a bolsa da placenta, lambe o focinho dos filhotes para ajuda-los a respirar, deixa-os deslizar sobre seu ventre e se abandona à sucção alucinada de seis, oito ladrões de vida. Somente anos depois, quando o filho (o anjo inábil que fazia a gente se sentir um deus porque o alimentava e o protegia: e era agradável acreditar-se poderoso e bom) se transforma num semelhante, num homem, numa mulher, em suma, em alguém como nós, é então que amá-lo exige as virtudes que importam. A paciência, o ânimo forte, a respeitabilidade, a severidade, a generosidade, a exemplaridade... demasiadas, demasiadas virtudes para quem, enquanto isso, tenta continuar vivendo.

O interessante é perceber que ao mesmo tempo em que o pai tem em si esse desejo, ao qual aparenta não estar interessado amorosamente no filho, como se cuidar dele fosse apenas uma obrigação em sua vida, interessa-lhe que o filho o acompanhe até ao Colle Della Nasca para uma caminhada, comparada por ele, como aquela que muitos fazem no caminho para Santiago.

“Diga a verdade: você morre de vontade de ir comigo ao Colle Della Nasca.

Mas, só para não dar essa satisfação, teima em fingir que não tem a mínima vontade.”

O autor utiliza de alguns recursos narrativos, evidenciando essas ‘solicitações’ ao filho em capítulos separados. Eles são uma tentativa do pai em buscar um diálogo com o filho, mas quase sempre sem respostas. Um dos poucos momentos em que a fala do filho irá surgir é quando o pai, chegando até a sala, vê o garoto rodeado de aparelhos eletrônicos, e com um olhar interrogativo obtém a resposta:

“É a evolução da espécie.”

Os largados obteve, na Itália, uma alta vendagem, talvez porque atualmente o divórcio ainda seja um assunto que nos faz aproximar do personagem do pai. Mas mais do que isso, porque essa relação em constante atrito, entre pais e filhos, mesmo entre aqueles que dialogam, é algo muito complicado. Parece que o amor natural, que deveria ser algo bem desenvolvido por nós e contínuo não ocorre. Nos é difícil falar de sentimentos e principalmente falar para aqueles deveriam ‘seguir os nossos passos’.

Contudo, a narrativa tem pouca força. Com capítulos curtos, o leitor é convidado, aos poucos, a adentrar na mente do pai e conhecer mais das lamentações que estão pelo livro. O ponto positivo é que ficamos a saber da história da Grande Guerra, que ele estaria a escrever, o que seria um reflexo de sua própria relação com seu filho.

Sem nenhum grande momento durante a narrativa, chegamos ao fim do livro, com a presença de ambos no Colle Della Nasca, onde era possível que o pai visse seu filho agora como um semelhante e que a partir de então ele poderia avançar em sua idade sem mais preocupações.