Ventos fortes
Sempre me tocou como algo desgraçadamente intrigante o fato de que, ao longo de todos esses muitos milhares de anos de suposta evolução humana, o ser humano continue a ter uma relação de profundo pudor com o peido.
Também conhecido como “pum”, “flatulência” (“do latim flatus, sopro”, nos ensina a Wikipédia), “fedorento”, “cheiroso” e outras alcunhas desse naipe ou pior, geralmente oscilando entre a ojeriza e a gaiatice, o certo é que o ato (ou seria arte?) de peidar parece estar condenado a ser sempre algo secreto, feito às escondidas, estranho (!) ou vergonhoso. Por que, eu me pergunto? Por que, se é algo tão natural quanto urinar, defecar ou respirar?
Afinal, vejam só, parte dos gases é formada pelo ar que engolimos. Ou seja, se você fala como um narrador de futebol em rádio AM, come como um lobo amarrado ou vive de nariz entupido, tem chance de peidar mais. Mas não só, existem outras reações químicas que ajudam a formar essa coisa sem forma que, se entrou, tem de sair.
Percebo que mais uma vez a culpa pelo peido ser mal-visto é das castrações que sofremos por vivermos em sociedade. Quando uma criança começa a peidar na frente dos pais, todo mundo cai na risada, acha divertido. Já vi várias vezes a inocente criança inclusive avisar segundos antes, por pura brincadeira, mesmo. Olha pra quem está em volta e anuncia: Vou peidar!, e tome aquela som de lençol sendo rasgado. Ou apenas de um estalinho como se fosse bombinha de São João. Daí, o rebento cresce um pouco mais e o que antes era divertido, torna-se algo escabroso, quase um crime. Claro, a criança começa peidando em família, depois quer peidar na frente das tias, dos avós, das visitas, pelo amor de Deus! Imagine sua família perfeitamente católica recebendo Maria juntamente com todos os condôminos do prédio perfeitamente católicos e seu filhote de sete anos lá, quando de repente, traaaaac. Não, não pode. Fora que depois fica aquela fedentina irrespirável, denunciando logo a dieta da criança a base de feijão, ovos, leite, repolho e cebola. Bem alimentada, sem dúvida. Mas já diz o ditado que peido é igual a filho, cada qual aguenta o seu e só. Assim, rapidamente, peidar torna-se algo tão condenável quanto assassinar. É você peidar, ser ouvido e rapidamente ver milhares de olhares reprobatórios (isso sem contar as gracinhas e chacotas, claro). Não é de se admirar que se finja tanto em sociedade.
Pesquisas demonstraram que “o que determina o som [do peido] depende da velocidade da expulsão do gás e do quão estreita for a abertura dos músculos do esfíncter anal”. Em outras palavras: seu peido pode muito bem falar sobre outros hábitos seus, muito particulares. Portanto, cautela. Também não é recomendável fazer muita força, claro, porque uma coisa pode se seguir a outra. E se você estiver no ônibus, achando que o ventinho entrando pela janela ajuda, cuidado. Se você colocar força demais (pensando talvez que o barulho do motor ajuda a “abafar o som” e ninguém vai ouvir) você pode ficar numa situação extremamente delicada. Especialmente se for um ônibus urbano, logo, sem banheiro.
Um outro site na internet sugere que você faça um experimento científico: anote tudo o que você come e conte o número de vezes que você peida, podendo anotar inclusive o nível de fedor de cada um deles [para isso, talvez seja importante que o “cientista” elabore uma escala de níveis de fedentina]. Segundo o site, “você descobrirá a relação entre o que você come, o quanto você peida e o quanto eles fedem”. Talvez o elaborador desse Convite ao Experimento Científico tenha esquecido de um detalhe: a pessoa que for fazer a tal experiência precisa agir em dupla, já que peidamos enquanto dormimos, e estes peidos também precisam ser contabilizados, o que faria cair por terra a ideia de que peido cada qual só aguenta o seu. Em nome da ciência, pode ser que isso não seja bem assim. Afinal, se produzimos por volta de um litro de peido por dia (e tem gente que não toma isso nem de água, imagine!), e distribuímos este litro em cerca de 14 peidos diários, há uma contabilidade aí que varia de pessoa pra pessoa, e isso pode ser medido. Para os que têm interesse numa média mais... personalizada, digamos.
Muita gente se faz a indefectível pergunta: quanto tempo eu tenho para correr de um peido antes que ele chegue ao meu nariz? Resposta: isso vai depender se você mora no Ceará, na Escandinávia, em Londres ou no Atacama. Sendo mais claro: depende muito das condições atmosféricas de cada lugar, da umidade e da velocidade do vento que estiver no local onde o gás for liberado. Claro que isso muda quando o peido é solto dentro de um quarto pequeno, de um carro, numa sauna ou no elevador, por exemplo. E por razões bem simples e óbvias: essas condições fazem com que aquilo que dilui o peido (o ar) esteja presente em menor quantidade, fazendo com que o cheiroso permaneça por mais tempo no local, até que se condense nas paredes.
Sim, foi isso mesmo que você entendeu: sabe aqueles elevadores antigos, com carpete, aqueles carros usados ininterruptamente por duas décadas, aqueles cantinhos onde às vezes entramos e sentimos aquele cheiro rançoso certeiro, bem nas nossas narinas mas que parecem mais um soco, embora não possamos ver nenhuma sujeira aparente no local? Sim, é sinal que as paredes nesses locais já têm muito peidinho pregado nelas....
Isso também significa, claro, que todo mundo peida. Sim, porque existem umas pessoas, que aparentemente se julgam eleitas, que dizem que não peidam nunca. Na certa também fazem fotossíntese, porque só assim (e talvez nem assim) pra evitar esta aparente mazela humana. Se você estiver vivo (e em alguns casos, até mesmo algumas horas depois de morto), você peida. E não existe esse negócio de homem peida mais que mulher ou mulher peida mais do que homem. É tudo a mesma coisa. Ingeriu coisas que provocam os danados, fique sabendo: eles vão ter que sair.
Não existe uma horário certo para que os peidos venham. (Se existisse, era bem provável que o expediente nos comércios, fábricas e onde mais se pudesse aglomerar gente só começasse depois dele). Mas pesquisas informam que o período de maior incidência é pela manhã. Para o bem dos que estão por perto, preferencialmente enquanto se estiver no banheiro. Também conhecido popularmente por “trovoada matinal”, pode atingir uma ressonância boa o suficiente para ser ouvido na casa inteira, a depender daquela abertura anteriormente mencionada. Não é recomendável fazer isso se você morar em prédios que tenham um vão entre os apartamentos, porque a coisa pode se tornar por demais socializada. E você não vai poder nem reclamar quando chegar na sua vaga do estacionamento no prédio e, no seu carro que não vê água há quase um mês estiver escrito “lave a bunda” ao invés de “lave o carro”.
E é justamente por motivos de possível constrangimento que muita gente segura o peido. Não dá, na atual conjuntura social, estar lindo e elegante num terno, na reunião da empresa, e soltar aquela flatulência encarcerada há horas. Pode até dar demissão por justa causa, vai saber. Pois bem: você segura aquele peido, por muitos motivos (medo de ser o motivo oficial de piadas da empresa, medo de que ele feda, medo de perder o emprego...) e quando o expediente termina e você acha que poderia soltá-lo, cadê? Saiu de fininho sem ser notado? Foi absorvido pelo sistema e agora está envenenando sua corrente sanguínea? Pois eis a boa notícia (que pode ser má, a depender de como você encara a coisa): segundo os médicos, por estar impedido de sair, ele volta para os intestinos e retorna depois pra ver se a passagem já está liberada. Em outras palavras: você perde um ônibus, um compromisso, o amor da sua vida, um lugar no cinema ou restaurante, mas um peido, meu caro, você não perde nunca, você só adia.
Agora imagine a cena: você está na cama com seu namorado ou namorada (ou marido, esposa) e, anos de relacionamento depois, vergonhas já deixadas lá atrás, quase juntas com a virgindade, dá aquela vontade de peidar e você não pensa nem meia vez. Sai aquele ar que chega passa reto, dando aquela sensação de conforto por algo que até então estava a lhe oprimir na barriga. Imediatamente, a reação: Mas você, hein, não perde essa mania! (Embora você já tenha feito isso algo perto de um milhão de vezes) e menos de um segundo depois: Aff! Pelo amor de Deus! O que é que você anda comendo? Urubu? E outras variáveis.
Pois eis a informação que nos chega agora: sim, a pessoa ao seu lado, que se sente incomodada, tem todo o motivo para reclamar, e por uma razão bem pouco lisonjeira: você soltou a flatulência, portanto, o ar foi pra longe de você e do seu nariz, ou seja: você está em vantagem, enquanto quem está nos arredores pode ser completamente nocauteado. Não é que você esteja imune, claro. Mas quem foi vítima do seu gás sente mais rápido e um cheiro mais... concentrado, por assim dizer.
Lamentavelmente, para alguns, não se pode – ainda – peidar colorido, o que já evitaria a pergunta: quem foi que peidou?, mas algumas pessoas gostam de acender o próprio peido, que tende a gerar chamas amarelas ou azuis. Uma brincadeira de alto risco e que pode gerar acidentes terríveis e, portanto, absolutamente não-recomendável.
E por último, mas não menos importante: arroto não é um peido que subiu de elevador. São coisas completamente diferentes.
Agora, com licença. Existem coisas que eu não faço na frente do computador.