6 de maio de 2015

O MENSAGEIRO

Primeiro se ouviu um zunido não muito longo, porém tão alto, que dava a impressão de que a mata estava sendo sobrevoada por um besouro gigante. Então: bum! Um punhado de árvores inocentes frondosas se explodiu, atirando pedaços de troncos e folhas para todos os lados. Mais adiante, e quase ao mesmo tempo, um outro punhado colossal de verde se esboroou; mais tufos verdes e punhados de madeira cascatearam pelos céus. Poucos metros dali, a violenta lufada de chamas levantou terra, como se o solo fosse uma fina camada de pó sobre um livro soprado por um deus. Naquela mesma região – e nesse caso é difícil falar em intervalos de tempo, porque as rajadas e estrondos eram quase um eterno uníssono -, finalmente uma bomba encontrou o que ela deveria encontrar, ou melhor, o que aqueles que a atiraram achavam que ela deveria encontrar: um grupo de homens, que estavam correndo e atropelando-se sem saber para onde ir.

A essa altura todos os soldados já sabiam que a batalha estava perdida. Não porque os bombardeados tivessem noção do número de baixas de seu exército e de quanto somavam os bombardeadores. Nem mesmo porque conhecessem a posição privilegiada do inimigo e sua consequente condição de presa fácil. Não. Nada disso. Simplesmente se ouviram estampidos. A eles, alguns responderam com tiros e bombas. Mas o barulho foi se aproximando, árvores, cabanas, carros, pessoas, tudo começou a ir pelo ares. E, quando isso acontece, qualquer um que já foi à guerra sabe que quase todos, do soldado mais simples ao general, ignoram completamente toda a estratégia que elaboraram e o treinamento que tiveram e dão as aulas mais inacreditáveis de improviso. A grande maioria dirige completamente seus esforços para salvar suas peles, porém há alguns que, tomados por um acesso de bravura, pegam suas armas e avançam em direção ao inimigo, como se pudessem vencer um batalhão inteiro sozinhos.

Esse era então o ambiente naquele momento. Um terrível caos de pessoas correndo, caindo, gritando, morrendo e atirando, em meio às explosões e aos pedaços não se sabe do quê que infestavam os caminhos da fuga. Até que se ouviu um chamado inusitado:

– Lobo! Lobo! Lobinho!

A artilharia não cessava. Vendo-se cada vez mais próximos da vitória, os soldados que estavam atacando ganhavam ânimo, atiravam mais e mais, encarnavam a rapidez e a precisão das metralhadoras. Grande parte do batalhão atacado já havia recuado o suficiente para se sentir salva, mas ainda restavam aqueles que por motivos diversos não haviam conseguido partir na hora certa e retrocediam de pouco em pouco, num percurso tortuoso, escondendo-se e trocando tiros quando necessário. Era, como se vê, uma situação extrema, uma situação-limite, que decidiria se as pessoas envolvidas continuariam na fase da vida ou se seriam encaminhadas para o mistério da morte. Nesse contexto era ainda mais curioso que não cessasse aquele estranho chamado:

– Lobo! Lobo! Lobinho!

Alheio às explosões e mortes, caminhava em direção aos inimigos, um rapaz franzino e pálido, averiguando atentamente cada canto dos escombros. Vez por outra, levantava a vista e mirava uma longa distância. Não era de outro senão dele o chamado que quebrava a rotina repetitiva da guerra. Quando alguns soldados registraram em suas mentes aquele estranho fenômeno, rogaram desesperadamente:

– Ei, rapaz! Ei, amigo! O que está fazendo aqui?

O sujeito, distraído com seus pensamentos e com os olhos perdidos naquele caos, demorou, mas respondeu, e se aproximou prontamente quando notou que o estavam chamando:

– Vocês viram meu lobo?

– Mas que diabos de lobo, camarada?! – o primeiro perguntou e logo comentou com seus colegas que aquilo deveria ser um surto causado pela dilacerante derrota.

– É um cachorro de médio porte, vira-lata. Ele é cinza. Bate mais ou menos no meu joelho. – indicou o tamanho em sua própria perna. – Atende por “Lobo”.

Os outros soldados trocaram olhares e riram.

– Meu rapaz, só você mesmo para nos fazer rir num momento desses. Nosso batalhão praticamente inteiro foi dizimado. Estamos cercados, quase sem nenhuma possibilidade de fuga e você está procurando a merda de um cachorro?

Vendo que não teria sucesso na conversa com aqueles homens, o dono do “Lobo” simplesmente ignorou as palavras que lhe atiraram e saiu em sua busca. As balas atravessavam seu caminho. Grupos de fugitivos desesperados se atropelavam à sua volta. Explosões o cercavam. Feridos, gente mutilada, esparramados no chão ou escorados em troncos, pediam ajuda, imploravam que os levassem ou chamassem reforços para cuidarem de si. A tudo isso, ele era cego e surdo, pois ele apenas se importava naquele momento, até mais do que a sua própria vida, com a companhia de seu cachorro.

Passado algum tempo daquela busca até então sem resultados, um tenente que se escondia detrás de escombros de uma barraca reconheceu aquela figura totalmente fora de contexto e comentou para seus colegas que, como ele, esperavam a hora oportuna para um novo recuo:

– Ei, camaradas! Olhem quem está ali!

Após seguirem seu comando, um deles comentou:

– Mas não é possível! É aquele inofensivo do mensageiro!

– Qual é o nome dele mesmo? – outro indagou.

– Não consigo me lembrar. – disse ainda outro.

– Acho que é mesmo “Inofensivo”. – completou um terceiro.

Explodiram de gargalhar.

– Pois bem… – concluiu o tenente depois da saraivada de gargalhadas. E chamou o mensageiro: – Ei, Inofensivo! Ei, Inofensivo!

Como não estava interessado em alcunhas, mas sim em seu cachorro, o mensageiro atendeu, na esperança de que pudessem ajudá-lo. Correu na direção dos soldados, abaixando-se para desviar dos projéteis, e logo foi interpelado pelo tenente:

– O que você está fazendo aí no meio do fogo cruzado? Se você quer se matar, nos avise de uma vez, que um de nós resolve seu problema imediatamente.

– Não, senhor tenente. Não quero me matar. Estou em busca do meu cão.

Dessa vez a informação não surtiu o mesmo efeito que na primeira. Em lugar de rir, os soldados ficaram mudos e imóveis, assombrados com tamanho disparate.

– Você sabe de que cão estou falando, não é mesmo, senhor? – continuou o mensageiro.

– Sei. Claro.

– Um cinza, que sempre me acompanha por aí.

– Sei muito bem.

Essa resposta iluminou levemente os olhos do magricela.

– E o senhor, por acaso, viu para onde ele foi?

– Que sorte te encontrar, meu jovem. Eu vi sim. Ele foi por ali. – o tenente apontou na direção norte. – Siga até aquelas árvores, vá um pouco para direita e ali vai encontrar a barraca dos granadeiros.

– Conheço muito bem o local, senhor tenente! – não se conteve e interrompeu o outro.

– Ali vi o cão pela última vez.

– Muito obrigado, senhor tenente! Muito obrigado! Serei grato por toda a minha vida.

Logo que o mensageiro se foi, um dos soldados exclamou:

– Mas, senhor tenente, a barraca dos granadeiros foi completamente tomada pelo inimigo!

– Eu sei, meu amigo. Não estavam procurando o cão? Para mim, cão é Satanás e a última vez que vi Satanás foi nessa barraca. Além disso, alguma dia na vida um mensageiro tem que enfrentar de verdade os perigos da guerra.

Para o bem ou para o mal, o mensageiro não estava atento a essas nuances de significado da palavra “cão”. Simplesmente seguiu a orientação que lhe deram e foi em direção à ratoeira em que se transformara a cabana dos granadeiros. Apesar de sua obstinação desarrazoada, ele interrompeu rapidamente o seu trajeto, porque percebeu que dali onde estava até adiante só havia inimigos, que o matariam e aos quais Lobo certamente não se misturaria, por ser avesso à companhia de pessoas estranhas, sobretudo em grande quantidade.

Mal virou as costas, ouviu um som familiar. Seria o latido de seu fiel amigo? Sem pestanejar, retomou seu caminho e foi em direção à cabana. Deu alguns passos e parou. Colocou as mãos aos ouvidos para aguçar seu sentidos e nada. Andou mais um pouco. Não avistou nem um inimigo sequer. Na verdade não havia sinal algum de que alguém estivesse por ali. Tudo parecia silencioso, com exceção do constante barulho da guerra que parecia ter se afastado. Alguns passos adiante o mensageiro pensou ter ouvido novamente o chamado de seu cachorro. Prosseguiu alguns metros, meio de pé, meio abaixado. Era ele! Só podia ser ele.

– Lobinho! – gritou.

Foi como se aquele chamado fosse um sinal para todos os soldados atacarem. Estalaram tantos tiros, explodiram tantas bombas em poucos segundos, que dava até para suspeitar que o ataque tinha vindo de uma arma só. Em meio à enxurrada de balas e das bolas de fogo, o rapaz franzino fez o que pôde: improvisou. Agachou, atirou-se, correu, rolou, pulou, ficou parado até que sem querer, acabou entrando na barraca dos granadeiros. Pela última vez pensou ter ouvido o latido do “Lobo”, mas se deu conta de que o tinha confundido com o rosnado de um homem agonizante. Gritou, bateu as mãos contra as pernas, a cabeça, no chão, mas nada disso adiantou. De novo suas esperanças se esvaíram.

Tomado por um acesso de fúria, saiu dali e foi procurar seu companheiro por todos os lugares onde ele costumava se abrigar. Ignorou completamente que estava numa guerra. Balas, fumaça, nada disso importava mais para ele. Quando percebia que alguém não muito próximo lhe desferia tiros, retribuía com uma metralhadora que havia encontrada abandonada pelo caminho. Se matou alguém ou não, nem ele mesmo soube. Sua única preocupação era o Lobo. Porém, apesar da procura milimétrica por quase todos os cantos que eles tinham o hábito de percorrer, não encontrou absolutamente nada.

Foram horas e horas. Só um milagre tirou-o dali com vida. A dor da falta o fez se deslocar em direção ao inimigo, como nenhum grupo grande de soldados armados até os dentes teria coragem de fazer. Por um instante pensou em chorar a morte de seu companheiro. Mas essa ideia não o convencia. Quem mataria Lobinho? Um cachorro dócil, porém esperto como ele não atrairia o ódio de ninguém. Estaria então com o próprio inimigo? Essa hipótese pareceu insuportável ao mensageiro, que, logo ao ir se aproximando de seus aliados, ia entrevistando a todos à procura de pistas. Para falar a verdade, poucos se sensibilizaram com a situação e muitos até gracejaram explicitamente da dor do rapaz. E o que mais lhe feria não era a morte, não era a mudança de lado da guerra ou o simples desgarrar do Lobo, mas a dúvida: a existência das três possibilidades e talvez mais uma e mais uma e mais uma. E mesmo depois de muitos anos ninguém teve notícias desse cachorro de Hitler.