Notas de Leitura: A Cabeça do Santo, Socorro Acioli
Nas histórias o mundo é improvável, não o fosse, compraríamos apenas os jornais e seguiríamos nossa vida média, de pagar contas, de chegar no fim do mês com a sensação de ter sobrevivido. Sobreviver que é mistério, poesia. No ciclo, o homem nasce, cresce, reproduz e morre, a isso chamam vida, mas transpassado esse ciclo há a sobrevida, aquela que desafia a cadeia alimentar, aquela que desafia os tornados, enchentes e a miséria humana da exploração do homem pelo homem.
É dela, que na maioria das vezes, se trata a literatura, assim como algo mais antigo e essencial que a literatura, as fabulações. Talvez tenhamos vingados nessa terra por nossa capacidade de se adaptar, sim cá estamos por nossa ciência de contar, nela que surge a “força estranha” alimento dos afetos e dos sonhos. A companhia que mais me agrada, a companhia de um bom fabulador, uma contadora de história, um mentiroso da verdade, isso que é a Dona Socorro Acioli com seu romance publicado ano passado pela Cia. Das Letras.
Como todo livro caprichoso, como toda boa história, ele só começa a fazer sentido depois que acabamos, a tal reverberação, agora ele reverbera dentro de mim, no meio da estrada pra Jeri, estamos quase lá. Samuel, como homem, é metade santo, é metade diabo, sustentado na vida por duas forças motrizes, a promessa e a vingança, ao mesmo tempo, mesmo cheio dessas coisas, tem um espaçozinho para uma esperança, quase que enterrada, sendo que não sabem os cientistas, a esperança é que opera os milagres.
Sobre milagres é também o Livro da Socorro Acioli, o milagre da bondade que mora nos corações improváveis, o milagre da resistência do povo que mesmo sendo roubado por “séculos e séculos, amém” resiste, o milagre do amor. Sendo Filho de quem é, Samuel se lança de Juazeiro à Candeia, cidade um pouco depois de Canidé, para cumprir uma promessa, uma saga, como todo herói, de todo livro, com uma missão, com seus mistérios, como toda boa narrativa.
Mas outras coisas se espalham nesse processo, e o livro, que deveriam falar do Herói, começa a falar da gente, durante a leitura, não se surpreenda, se lhe parecer que ler sobre sua vó, sobre sua vizinha, sobre sua irmã, sobre aquele cara que te roubou e tem te roubado nas últimas e nas próximas eleições.
A cabeça do Santo, teria tudo para ser apenas uma história bem contada, com todos os elementos que se aprende nos cursos de escritas e na academia estudando a teoria literária, não fica nisso, quem escreve com a sinceridade é escritor, Socorro é, uma escritora e primorosa. Carrega a gente pra dentro da cabeça de um santo, faz a gente encostar “ozovidos” nela e nos satisfazer com o que a gente escuta.