Deux Jours, Une Nuit (2014)
Deux jours, une Nuit é dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (L’enfant, 2005), dois dos diretores belgas mais reconhecidos na atualidade.
Deux jours, une Nuit foi daqueles filmes que me encantou pelo título, antes mesmo de saber quem produziu e atuou. Soube de sua existência em maio de 2014, no festival de Cannes, mas só agora tive a oportunidade de assisti-lo.
O filme conta a história de Sandra (Marion Cotillard), uma mulher belga que, com a ajuda de seu esposo, visitam de porta em porta durante um final de semana vários colegas de trabalho, na tentativa de convencê-los a negar um bônus salarial de 1 mil euros para que ela possa recuperar seu emprego.
Acho sempre interessante me arriscar nessa jogada de não saber o que esperar de um filme. Lembro-me bem de Amour (2012), de Michael Haneke, provavelmente o filme mais impactante do ano de 2012. Ninguém esperaria um chute no estômago vindo de dois velhinhos.
Com um roteiro simples, os irmãos Dardenne conseguem causar um sentimento estranho, provocando em mim a dúvida sobre de qual lado eu ficaria. Seria eu, um cara egoísta que não abriria mão dos mil euros ou o cara legal que se sentiria mal ao ver outra pessoa em uma situação difícil?
Sandra tem um corpo fragilizado, enfermo, apoiado em fármacos. Provinda de uma depressão, com pensamentos pessimistas - “eu não existo, não sou nada”; “vou parecer uma mendiga” -, ela não acredita que possa ser capaz de mudar a opinião de seus colegas para que consiga seu trabalho de volta.
Com uma trilha sonora quase que ausente, entramos no mundo apático de Sandra: indiferente, passivo, na inatividade de sua vida. Mesmo o verbo ‘lutar’ sendo pronunciado várias vezes no decorrer do longa, e possuindo uma potência em sua verbalização, não é possível sentir a vontade de lutar de Sandra. Ficamos desacreditados de sua força e de que algo possa dar certo. São nesses momentos de sintonia com o personagem que podemos perceber como a atuação da atriz é de fato marcante.
Por outro lado, nas pouquíssimas vezes em que é tocada alguma música, são, talvez, os únicos momentos em que vemos Sandra feliz, demonstrando ao seu marido, através de atitudes positivas, que as coisas estão indo bem; que seu estado depressivo não é mais o mesmo e que ela está buscando forças.
Como no momento em que toca La nuit n’em finit plus na rádio e Sandra aumenta o som, abre um sorriso que há muito tempo não se via e ouve: “todo este tempo que passou, todo este tempo desperdiçado, todo este tempo perdido. Pensar que tantas pessoas na Terra com eu, esta noite se sentem sozinhas, é triste como a morte e não tem sentido. Eu queria dormir e parar de pensar, eu acendo um cigarro, eu tenho ideias ruins na cabeça, e a noite me parece tão longa, tão longa, tão longa...”.
Esta é uma cena fantástica dos irmãos Dardenne, onde se utilizam da trilha para representar o final de semana mais longo da vida de Sandra, os “dois dias e uma noite” mais sofridos de sua vida. Com a sutileza de uma cena dá vida a um filme que para muitos possa ser considerado morno, fraco, boring.
Em uma entrevista dada, não me lembro onde, Luc Dardenne fala sobre o “cinismo contemporâneo”, onde o discurso do outro sempre é prioridade diante daquele que sofre, na tentativa de justificar seu ato egoísta.
Dois Dias, Uma Noite de fato é um filme que busca um olhar recíproco no que concerne Sandra e nós espectadores. A busca solidária do ser humano que cada vez mais vive o gozo pessoal. Um cinema humanista que põe o ser humano como protagonista, na tentativa de por o público a refletir e se colocaro lugar do outro. Talvez seja até ingênuo falar em solidariedade, no mundo individualista em que vivemos, mas felizmente ainda se encontram cineastas que visam promover tal atitude.
Com um belo roteiro e uma ótima direção, a atuação de Marion Cotillard não nos dá muito o que falar. Gostaria apenas de pontuar que, a primeira vista, não pareceu que Cotillard tinha em mãos um personagem difícil de fazer, tendo em vista que Sandra, quando comparada a Edith Piaf, é considerada uma mulher saudável. Com sua atuação, Cotillard foi indicada a categoria de melhor atriz na 87ª cerimônia do Oscar (2015). Há sete anos sem ser indicada, a indicação foi de fato uma surpresa, tendo em vista ser a única atriz estrangeira com um filme estrangeiro no meio de tantas queridinhas da América. Não desmerecendo as outras atrizes, mas sim analisando a escolha dos representantes da academia, Cotillard foi a surpresa boa do ano.
Cotillard concorre ao lado de Rosamund Pike de Garota Exemplar (sua primeira indicação) e Juliane Moore de Para Sempre Alice (sua quinta indicação). As duas favoritas do ano. No mais, ficamos a espera de Cotillard em Macbeth (2015) e com a certeza de que ela é uma das maiores atrizes da atualidade.
No festival de Cannes deste ano, o filme dos irmãos Dardenne estava entre os favoritos. No entanto, o vencedor da Palma de Ouro foi Winter Sleep (Kis uykusu), do diretor turco Nuri Bilge Ceylan. Os irmãos Dardenne integram o grupo exclusivo dos cineastas que receberam duas vezes a Palma de Ouro: em 1999 por Rosetta e em 2005 por A criança.
Recentemente voltei a assistir Star Wars: Episódio I - Ameaça Fantasma, e uma frase dita por Anakin Skywalker me veio em mente ao escrever esta resenha, e que talvez consiga condensar um pouco do que foi falado:
“O maior problema do universo é que ninguém ajuda ninguém”.