Bicho Solto
Ficou decretado pela cúpula que todos os animais fossem soltos e todos os zoológicos extintos. Inclusive os zoológicos particulares. Determinava também que animais de estimação não podiam ficar dentro das casas. Que circos e parques não exibissem mais atrações com os bichos. A fiscalização ficou acirrada. Em poucos dias, o caos tomou conta, pois não houve nenhuma orientação detalhada pela mídia. Só foi divulgada pelos meios internos do governo a determinação e a pena para quem não as cumprisse. O primeiro contato dos fiscais com os fiscalizados era uma advertência por escrito. A recorrência acarretaria multa e prisão sem direito a pagamento de fiança.
Na rua, um garoto viu-se pela primeira vez cara a cara com um leão. Arregalou os olhos e foi afastando lentamente. O animal, petrificado, aguardava algo, talvez uma ordem ou comida. Parecia velho e fraco. A senhora que voltava da feira com sacola pesada em uma das mãos, embrulho de peixes envoltos por jornais debaixo de um dos braços e bengala na outra mão, estava parada no meio da praça observando o elefante que se banhava no chafariz. Um grupo, de uma ONG protetora dos animais, socorria um macaco eletrocutado no chão. Outros grupos protestavam timidamente em frente à Organização do governo que havia publicado o decreto. Uns decidiram não sair mais de casa, outros, que não abdicaram do trabalho e da vida social, arriscaram conviver com a nova situação. Foi cogitada a criação de uma repartição que cuidasse do transporte dos bichos até o seu 'habitat', porém alguns grupos eram contra a medida e impediam o funcionamento. Houve ataques isolados. Ataques de ambas as partes. Gente atacada por bicho e bicho atacado por gente. Tinha bicho que atacava bicho e gente que atacava gente para sobreviver àquela situação. A ira e o medo fizeram com que as pessoas agissem como bicho. Já o faziam há tempos. Podia ver o ódio e o rancor estampados na expressão dos homens provavelmente causado pelo estresse daquela nova era. Chegou o momento em que teriam de reaprender a conviver.
Enfim, a imprensa começou a noticiar. Não havia mais como esconder a bagunça. Os governantes não se entendiam. O congresso parecia uma babel. Tudo era empurrado com a barriga por toda a parte. Uma letargia tomava conta do lugar até que a polícia começou a roubar e a matar, bandidos começaram a prender a população dentro de suas casas, pais começaram a obedecer aos filhos e alunos começaram a ensinar professores. Mas o modelo não sustentava. Viver havia ficado insustentável. E tudo por causa de um decreto.