A casa esquecida
A casa jazia em meio ao nada.
Nenhum som se atrevia a vir de dentro ou de fora.
Isolação.
O tempo que nunca morre, o tempo que sempre se regenera, o tempo que sempre se deixa levar por si mesmo, o tempo que já é por si só perdido: é a casa.
As janelas rangiam, porém era um barulho surdo e constante: ali o tempo não era um inimigo nem um aliado, ele apenas era.
Ao redor, o mato crescia, mas não havia vida nele, nenhuma criatura queria morar ali, nenhuma.
Uma casa de madeira bem polida, um sobrado inanimado, que parecia viver, pulsar, sentir a indiferença solitária da natureza morta a sua volta, a casa não pertencia àquele lugar e nem a si mesma. Sua irremediável indiferença não era quista por nada fora dela mesma.
Fatigada, mas resistente, ali ela acontecia. Talvez remoesse histórias que nunca foram contadas, sentimentos nunca expressados, mortes nunca reveladas; fins, começos e recomeços; morte e vida.
Parecia muda e esquecida; contudo um certo orgulho remanescia. As fundações estavam impecáveis, o assoalho não havia se tornado habitat de ratos e as cortinas embora abatidas, ainda mantinham do intenso vermelho aveludado o sangue iluminado.
O corrimão que lida à parte de cima educadamente trabalhado, talhado, detalhado, em fina madeira em prata, fadada e envelhecida.
Em sua magnitude, nenhuma outra casa se atrevia a ser vizinha de suas portas, especular suas janelas ou intrometer-se em seu jardim.
Conviver consigo mesmo, voltar e se estabilizar, dedicando-se apenas em existir.
Não é assim que as pirâmides fazem? Os mais antigos monumentos da civilização ainda coexistiam com a modernidade e era isso que ela queria, talvez.
E ali não havia.
E ali ela existia.
Porém, contra o próprio Tempo – o próprio Cronos – abandonada em seu interior uma muda resistia.
Muda e resistente no assoalho perto da lareira gelada e atemporal.
As portas ignorantes à sua existência deixavam labaredas do vento quente do verão, as rajadas secas do inverno com as bufadas do frio imponente.
Mesmo assim, entortava o assoalho, lutando por sua própria existência, procurando a luz bruxuleante da primavera, que as cortinas resistiam em deixar passar.
Bebia da pouca água de uma goteira outonal se esgueirando pela telha trincada.
Um embrião de vida, num ventre ressecado, ressentido e relutante à luz; a pequena muda se acostumou a crescer e a lidar com a não existência do tempo: não conhecia a existência humana acelerada, frenética, comandada pelo relógio: um metrô, um bebê nascendo, uma criança morrendo, animais se amando ou casais se divorciando.
Não.
Ali era seu canto, seu universo, seu relento.
Ali ela ficou.
Ali ela remanesceu.
por Maylah Esteves