29 de janeiro de 2015

Entrevista com Thiago Roney (Editor da thysanura)

Conheci o Thiago um tempo depois de ele ter publicado o seu primeiro livro "O estouro da artéria de um cavalo húngaro", um dos melhores livros de contos que li nesses últimos anos. Professor por formação, Thiago resolve agora criar um "selo de rua", chamado thysanura, lançando o primeiro livro intitulado "A merda do mundo", escrito a quatro mãos, por ele e Arcângelo Ferreira. Tendo em vista que Thiago reside na região norte do país, onde não existe um cenário forte quanto a um sistema editorial, não poderia deixar de conversar com ele sobre essa ideia, que é fundar um selo editorial. Segue, então, a pequena conversa que tivemos enquanto Thiago produzia manualmente vários exemplares a serem lançados no dia 30 de janeiro, Sexta-feira, às 17hs, no sebo O alienígena:

 

Nathan Matos – Thiago, tu pode falar de onde surgiu a ideia de lançar um selo editorial?amerdadomundo

Thiago Roney – Então, estava no bar do Armando, aqui em Manaus, vendo uns amigos escritores da cena alternativa (que alguns gostam de chamar de marginal, e não curto esse termo) vendendo seus livretos pelo selo "coleção de rua" com aquela cara underground, capa desenhada, sem projeto gráfico e coisa e tal, mas com cara de livro. Assim, como opção mesmo dos caras – Rojefferson Moraes e o Márcio Santanta. Aí, olhei aquilo e pensei, porra essa tecnologia de fazer livro pode ser aprimorada, pode editar livros para baixar os custos, já que as editoras vendem com um preço um pouco caro e o público que compra nos bares reclamam do preço. Então fui conhecer o cara que "montava" os livros pra eles: o Jeovane Pereira. Já estava desgastado pedindo livro para minha editora (Multifoco) e tentando vender aqui com o mesmo preço, praticamente sem ganhar nada e vendendo pouco. O meu livro custava 33 reais.

NM – Então, o thysanura nasceu com o objetivo de baratear o preço do livro?

TR – Sim, o primeiro objetivo foi esse, depois conversei com o Arcângelo, meu parceiro do livro que abre o selo comigo, do nosso antigo sonho de fazer uma editora para publicamos os novos da literatura brasileira e posteriormente acadêmicos. Aí, apareceu a ideia do selo, que no caso não é bem uma editora. É uma simbiose entre a coisa da rua, alternativo, com o institucional, por exemplo, na inscrição na Agência Brasiliera de ISBN, não somos editora, somos apenas o editor-autor, no caso, eu, Thiago Roney Lira Borges. Poderemos fazer, legalmente, com outros editores os próximos livros pra dar continuidade a thysanura edições de rua, mas, no momento, estamos editando com meu nome. O thysanura seria uma traça no mercado editoral.

NM – Uma traça que pretende desbancar o sistema editorial vigente na região norte do país? Existem editoras que promovem os novos autores no teu estado?

TR – A internet, ou seja lá o que for, já está, no caso do norte, especificamente, no Amazonas, fazendo um pouco isso, temos praticamente só uma editora aqui, que é a Valer. Que tá levando o sistema editorial por aqui a duras pena. Agora a ideia é entrar no mercado comendo a beirada, mostrando que é possível fazer coisa de qualidade em casa. Inclusive, o Jeovane, o cara que me ensinou a montar os livros, está socializando a técnica para quem quiser, ele, sim, sonha em desbambar apenas com isso as grandes editoras com a ideia de coletivos e livros feitos manual e artesanalmente. Penso que isso é necessário, de quebrar mesmo para surgir outra coisa, precisamos de outros movimentos além desse, outros engajamentos. Nós pensamos apenas em mostrar uma literatura de qualidade "esquecida" para alguns olhos.

NM– O que se vê é que em algumas regiões do país, como o Nordeste, começam a surgir algumas editoras independentes, mas o que se sabe é que elas também acabam por "morrer" muito cedo. Você acha que no Amazonas há espaço para que uma editora independente possa criar força e conseguir chamar a atenção de escritores pelo resto do país?

TR – Sim, acredito que sim. Talvez o que aconteça, além das dificuldades normais de um negócio, é o tempo disponível dos interessados para levar adiante a coisa. Há leitores para tanto. Há um espaço, e tem um espaço a ser conquistado. A thysanura edições de rua, por exemplo, nasceu comigo e com o Arcângelo, que somos professores e não pretendemos deixar a profissão pelo selo. A ideia é formar um coletivo, e o selo, que é de rua, ser uma alternativa para leitores e autores. No selo, fazemos trabalhos pelo prazer e amor, não procuramos o lucro. Vivemos como professores. Nessa perspectiva, não pretendemos estar 100% para o selo, mas, também, por não procuramos o lucro, não estamos dispostos a abandonar tão cedo. Pelo contrário, estamos apostando nele, inclusive, para publicarmos nossos livros. Inclusive, na ideia de coletivo, já temos um novo integrante na equipe, que é o Daniel Amorin, um jornalista amante de literatura, que será nosso acesso de comunicação e mais um editor.

NM– E como é justamente ter que administrar esse tempo? O escritor Thiago Roney vai ter tempo para escrever enquanto é editor também?

TR – Primeiro, a intenção não é sair publicando como uma grande editora, somos muito mais modestos. Mas temos já três editores, vamos dividir o tempo e as leituras e com um confiando no outro pretendemos administrar bem esse tempo.

NM– E como vai funcionar para quem quiser publicar com vocês? Vocês vão receber originais ou vão apenas convidar determinados escritores?

TR – Vamos trabalhar das duas maneiras, quanto num crivo mais rápido e superficial já percebemos que o original não cabe no perfil do selo, vamos conversar com o autor(a) e orientar para publicar com o Jeovane do selo de rua irmão "coleção de rua" que trabalha com a ideia de tornar possível o livro de todos.

NM– E além do "A merda do mundo", já há algum outro livro que será publicado e que possa comentar agora?

TR – Sim, tem outro livro, A sombra e seus duplos, do ArcÂngelo Ferreira e outro de um diretor de teatro que estamos conversando.

NM– E sobre "A merda do mundo", como foi a experiência de escrever um livro a quatro mãos?

TR – Então, foi uma experiência ímpar. Em primeiro lugar, para nossa amizade, conheci o Arcângelo na escola, no ensino fundamental, ele foi meu professor de História.... Depois que entrei na Ufam, mantemos contato e ele foi meu primeiro "mentor" na literatura, aí, construímos um laço forte de amizade, até chegar o dia em que me intrometi num conto dele onde publicamos em um blog em parceria. A partir dessa interferência e de uma conversa num bar sem pretensão sobre a possibilidade de ver/escrever/ler o conto como uma fotografia ou um quadro foi que levamos a sério escrever em parceria. Então um começava um conto com uma frase ou um parágrafo e o outro continuava, depois organizávamos e verificávamos o tema e tal, escrevemos sobre isso em nota no livro. Aí no meio do processo percebemos um mesmo tema rondando que era sobre um passado recente brasileiro difícil. Então decidimos seguir. Aprendemos um com o outro no processo. Além de revisitarmos a história pela literatura e dialogarmos nos olhares sobre os dois num mesmo conto. Numa mesma história. É curioso, que nunca lemos nenhum livro escrito em dupla. Interessante, também, como começamos em 2013 a escrever os contos, agora no final de 2014, quando fomos reler alguns contos e reorganizar não lembramos das partes de alguns deles quem tinha escrito.

NM – Que é a ditadura militar?

TR – Isso deixo a cargo do leitor. Isso é um ponto forte no livro.  Deixamos, como o quadro ou fotografia, o leitor trabalhar.