As uvas
– Bom, veja... Eu acho que o senhor deveria se abrir outra vez ao mundo, Fernando.
– Outra vez? Oh, não... Creio que este não seja o caminho. Estou – começou a esfregar a ponta do indicador e do dedo médio no canto da testa, olhos baixos – confortável assim – leve tossida. Aliás, eu tenho certeza que prefiro um tipo de "retiro sentimental" a me envolver com pessoas outra vez.
Ah, mas que ironia. Confortável? Obviamente que não. Ele estava contorcendo cada osso, músculo e víscera existente dentro de seu corpo. Suava atrás do pescoço. Esfregava constantemente as mãos. Fernando sabia que estava tentando enganar o analista. Mas quem engana o divã?
– Não, não... Eu não digo que tenha que se "envolver" no sentido mais profundo da palavra. Entenda, Fernando: eu quero que o senhor se permita outra vez. Conhecer pessoas, conversar com elas, entende? Você precisa perceber que o mundo não é ruim ou traiçoeiro. Abra-se a ele. Não se feche numa concha, como anda tentando fazer.
– Vou pensar. Obrigado.
Estava impaciente. Era como se suas pernas não lhe permitissem mais que ficasse ali sentado, ouvindo o que aquele homem tinha a dizer. "Vamos, Fernando! Levante!". Permitir-se? Ah! Quanta bobagem. Permitir que desse com a cabeça contra a parede outra vez? Ora ora, que desaforo. Levantou de súbito, agarrou sua maleta, ajeitou a gola da camisa – mãos trêmulas –, suspirou profundamente e agradeceu o analista com a cabeça. Passou pela porta e bateu-a com força.
Os olhos estavam estalados. Era de dar pena ver um homem daquele andando tão desnorteado pela rua, com aquele paletó marrom desbotado, as meias brancas, os sapatos pretos lustrados com um capricho quase ingênuo, o relógio parado no pulso esquerdo, os cabelos por pentear. Quem o via naquele estado provavelmente imaginava que ele havia acordado sobressaltado naquela manhã. E, bem, quem pensava assim não pensava errado, devo dizer.
"Me abrir ao mundo? A um mundo cheio de Larissas, Cláudias, Bernadetes, Sandras, Rosas, Marias, Lúcias...? Que irão me fazer de tolo? Já basta ter sido feito de tolo meia dúzia de vezes. Ludibriaram-me. Arrancaram-me os tostões do bolso. Sugaram-me as últimas gotas de dignidade. Chega!".
O tom de Fernando chegava a ser cômico. Ele era, sem dúvidas, o rei do drama. Além de ser um homem um tanto quanto exótico, ainda falava sozinho. Um show completo aos que passavam pela calçada. As garotinhas que iam à escola apontavam-no e trocavam risadinhas debochadas. As senhoras, espantadas, colocavam as mãos nas bochechas, estupefatas. Os cavalheiros olhavam-no com desprezo enquanto soltavam a fumaça do charuto no ar.
Andava pisando duro, chutando as folhas ao ar. De vez em quando, pisoteava as poças de água pelo tolo prazer de ver as gotinhas voarem longe. Cansado de fazer espetáculo público, sentou-se no meio-fio e puxou um cigarro do paletó. Acendeu-o e ficou a apreciar a fumaça que soltava com a boca. Estava fria aquela manhã.
Do outro lado da rua, uma funcionária da padaria fitava-o com olhos curiosos. Na verdade, ficara ali olhando-o aquele tempo todo, divertindo-se com os gestos atrapalhados do homem. Vez ou outra soltava uma gargalhada, jogando o queixo pra cima. Mordia os lábios de batom vermelho, maravilhada com cada centímetro daquela interessantíssima figura. Esfregava as mãos nos cabelos, bagunçando-os, boquiaberta com o que via.
Glória era uma moça muito bonita. Apesar dos traços discretos, tinha a pele corada, era alta, exibia cabelos ruivos e gestos graciosos. Sua postura era impecável. Um encanto. Possuía um ar deveras misterioso, envolvente.
Por sorte, Fernando levantou-se, pisou no cigarro, apagando-o, e atravessou a rua, dirigindo-se à padaria. Glória, ligeiramente ansiosa e tímida, arrumou rapidamente alguns fios soltos do cabelo, esticou as vestes, ajeitou as sobrancelhas e entrelaçou os dedos das mãos na altura do quadril.
– Bom dia, senhor! Entre e coma um pãozinho, que tal? Eles acabaram de sair do forno.
– Oh, não, obrigado... Acho que prefiro ir pra casa.
Fernando, Fernando... Sendo fisgado outra vez por seu coração imprudente. Que olhos! E que colo, não? Que dizer dessa boca tão bem desenhada? "Oh, certamente que entrarei pra comer um pãozinho... Aliás, posso até pedir um suco e umas frutas, quem sabe? Quanto mais tempo eu ficar... Não, homem! Mas que infantilidade! O que foi que eu te disse? O analista é um estúpido! Nada de mundo. Nada de mulheres. Nada de chances. Nada de pãozinho. Vamos embora, tolo".
– Eu insisto! E, sem querer me gabar, o suco de laranja está divino. E que dizer das flores que coloquei no balcão mais cedo? Estão dando um perfume espetacular ao estabelecimento. Entre!
"Vá, besta. Entre e seja um idiota pela sétima vez. Já não foram seis? Que diferença irá fazer? Francamente!"
– Oh, consciência. Não me amole. É só um pãozinho e já vou embora pra casa.
– O que disse?
– Perdão. Eu falo sozinho. É um hábito. Converso com minha própria cabeça.
– O senhor é divertido, sabia? Fez-me rir muito enquanto saltitava do outro lado da rua, varrendo as folhas da calçada com os pés. Quer outro cigarro? E, a propósito, me chamo Glória.
– Prazer, Glória – apertou-lhe as mãos com delicadeza. Desculpe-me, mas não gosto de cigarro. Fumo às vezes por raiva de mim. É como um auto castigo que me aplico por mau comportamento.
– Oh!
Vamos ao pãozinho. Fernando sentou-se confortavelmente na última mesa e ficou a esperar a garçonete. Cantarolava, assoviando e palpitando os dedos ritmados na madeira. Balançava a cabeça de um lado para o outro, divertindo-se com a situação. Como o mundo era belo, não? Cheio de pessoas maravilhosas, encantadoras... Que bobeira não abrir-se a ele! Que covardia não render-se àqueles fios ruivos, àquela pele tão rosada, àquele andar cheio de balanço... Oh, amado analista! Que Deus o abençoe! Santo analista!
– Aqui estão os pães, quentinhos como prometi!
– Ah, que beleza!
– E o suco fresco de laranja!
– Que maravilha!
De repente, sua expressão mudou completamente. Os dedos pararam de tamborilar, cessou-se o assovio feliz, a cantoria chegou ao fim. Os olhos ficaram imóveis, parados em cima da travessa que a garçonete havia colocado em cima da mesa. Seu rosto se amarrotou por inteiro, enquanto o queixo caía lentamente e as sobrancelhas iam aos céus, sobressaltadas.
– Que são essas uvas?!
– Eu achei que o senhor fosse gostar... Estão lindas, não? E são por conta da casa! Ficam uma delícia acompanhando o suco de laranja.
Lembrou-se de Valentina. Aquela mulher cruel que morava na rua 7. Que arrancou-lhe o coração pela boca. Que o fez de gato e sapato. Que lhe torrou todo o dinheiro. Que o deixou chorando noites a fio. Maldita Valentina! No dia em que o dispensou, saboreava um cacho de uvas na janela, mordiscando-as com prazer entre os dentes, enquanto dizia não amá-lo mais. "Vá embora, Fernando! Suma da vista de minha janela! Não tens mais nada a me oferecer. Deixe-me a sós com minhas uvas".
– Vou te deixar a sós com tuas uvas, Glória.
– Que disse?
– Fique sabendo que eu detesto uvas. Passar bem.
Pegou a maleta, o chapéu, ergueu-se sobre as pernas trêmulas outra vez e deixou o lugar. E o analista que fosse para os diabos!
por Dona Iáiá