Ser-escritor?
Andar pelas ruas e “rien connaitre” me faz pensar na vida, na vida-entre-palavras: o que é ser um escritor? Escrevo bastante, escrevo todos os dias pequenos exercícios estilísticos que são também um pensar sobre a possibilidade de uma vida como obra-em-processo, uma vida entrelinhas, como um bom filho-da-pauta que sou. Tenho um livro publicado com textos que foram elogiados por uma dúzia de leitores, e por uma centena de leitores que os leram por outros meios – existe vida/escrita/arte antes do livro!(?). Mas aqui, no frio parisiense, tentando compreender o falar rápido para meus ouvidos dos franceses, me perguntei: o que é ser escritor? Sou escritor apenas quando escrevo? Quando publico um livro? Quando olho para uma cidade estranha e meu olhar é puro estranhamento e me conduz à escrita deste texto? O que é ser escritor? É chorar quando vê um pequeno oiseau numa árvore seca pelo inverno buscar restos de alimento nos galhos queimados pelo frio? É ter vontade de gritar um poema em português, mesmo que não seja entendido por muitos? É sentir-se sozinho, perdido, estrangeiro, mesmo em seu lugar, com seus amigos e verter isso na página – mineral – buscando saúde e vida? Sou escritor ou escreveDor? Escreven(doen)do este texto, me pergunto: será justo para uma alma em desassossego receber um rótulo para um único momento de seu dia, aquele em que toda a dor sentida é lançada sobre a superfície fria de um computador? Mais do que nunca entendo Foucault, e penso que só mereço este nome – por vezes pesado – de escritor se ousar transformar minha vida em linhas e ampliar minha existência: definitivamente, em Paris a vida é uma obra de arte, assim como uma página, uma lâmpada, um quadro. E quero escrever sobre esta cidade.